Poemas sobre trabalho

Estilista

       PARA LENA.

Fala tua rouca voz no meu delírio

Modela tua luta em minhas mãos

Risca tua língua o croqui do meu corpo

Corta o papel das minhas forças em teu hálito

Costura a medida deste sonho em minha vida

Aproxime o indefinido desejo dos teus olhos

Apaga do meu verso amargo a solidão

Rasga o erro das palavras impensadas

Dobra o tecido da minha sombra ao pôr-do-sol.

                Homo faber

“E A MÍNIMA JUNTA DE MINHA MÃO HUMILHA QUALQUER MÁQUINA.”

                 Walt Whitman

AO AMIGO JOÃO RODRIGUES, FABRICADOR DE SONHOS.

Eis o homem!

Esta máquina de nervos

Mãos criadoras de sangue e engrenagens

Composição do poema falido, injustiçado em si mesmo

Homem-porta sem maçanetas

Homem abatido, com fome, exausto e sem tréguas

Derrubado dos andaimes à vala morta dos séculos

Homem amarrado ao tempo da loucura

Aos mecanismos que enxovalham, enxotam,

roubam seus braços à horizontes…

Homem que caminha no escuro

Que não encontra a terra senão para a morte

Homem músculos cansados

Suado, usado, consumido e sem voz

Homem sem força

Carta que não encontra destinos,

senão morrer servindo outro homem.

O metalúrgico

PARA A MENINA QUE SONHA COM IDEIAS SENTADAS SOBRE A GRAMA.

SARA CAUMO GUERRA.

Entre metais e cianetos dançam as vozes do silêncio.

Giram os motores das máquinas e o seco grito do atrito desencadeia uma ópera.

Gemem e deliram os alumínios contorcidos no suor.

Debatem-se faíscas na fuga louca da dor.

Rangem os sons no espaço e tudo arde em átomos de zinco.

Em mãos plebeias o aço dobra-se e lágrimas se extinguem no passar de dedos brutos.

O grande exaustor do vento desliza deitando as pequenas árvores na grande dança dos

séculos.

Um adensamento de ruínas desaba em cima da morte e todas as camadas se

ajustam sob o peso dos homens e as areias do tempo.

E agora estou atrás dos séculos, sou um átomo de enxofre, uma bússola perdida, um

pergaminho rasgado pela raiva.

Encontrei um obstáculo maior que a vida, meu corpo pulsa, todos os músculos chocam-se

com a pele, estou um decímetro dentro do solo, não levito e nunca poderei voar com as

asas metálicas que carrego.

Meu caminho é cheio de lavas e montanhas longínquas, levo três decigramas de ferro no

meu sangue, estou cheio de vícios, minha alma é cheia de temores e deliro.

Sonho com índias sentadas sobre a grama, seus maridos mortos, elas choram e entregam-

se ao sol.

Todos os pássaros voam em cirandas e meu corpo a marchar no vácuo sangra pelas

orelhas

Estou sonhando todas as canções debruçado na janela do mundo, o palco entre as nuvens

ainda é baixo para a redenção, as lágrimas não saciam a sede de quem vê grades

espreitando um quarto no inferno.

Eis aí os metais mais pesados de peso mais caro tão estranhos aos olhos e ao tato.

Afastei a morte e vi as flores murcharem, no caminho do porto tudo era metal, meus

dentes cerrados eram duros como titânio, meus braços eram fortes e levavam manchas

cor de chumbo.

Estou cheio de metais!

As mãos estão sujas de bronze, os pés caminham o esqueleto de aço e o que não é metal é

não metal, sou a força que rasga o vento, agride a distância, insinua-se no limbo, lambe as

chamas da morte, vê a face colada ao espelho.

Logo os poetas de cobre descerão dos pedestais e irromperão pelas ruas cheias de cores

metálicas, suas bocas vomitarão mil substâncias que subirão ao céu e voltarão

violentamente nos jorros de ácido prateando todos os homens.

Tudo será prata nas cores do corpo para logo derreter-se na morte e transformar-se em

limalhas.

Estou mais cansado, levo o câncer dos homens e quero beijar Elisa ainda hoje.

                        Pedreiro

                        PARA O AMIGO MANUEL GONZALEZ, PEDREIRO DO MUNDO.

 Às vezes é homem-tijolo, outras concreto

Às vezes é força, manha e segredo, outras desejo

Na dureza dos músculos resvala o suor da luta sem nome

Molda paredes de argila com braços de barro

Empilha andares de luas, alinha estrelas

Desilude na água que seca a poeira apagada

Carrega nas mãos desenhos de métrica, nivela silêncios

No corpo das vigas enverga a esperança

Esquadra a medida do tempo ao fundo dos olhos

Nas plantas caminham seus versos medindo a certeza

Entesoura o riso, entelha o céu, suspende a forma…

Às vezes é fábrica e outras cimento, às vezes é angústia

Às vezes é sonho, rima e talento, outras cansaço.

                        Trabalhador

Tuas pernas, arado dos dias, caminham esse mapa de dúvidas…

Não podes deixar a realidade em teus olhos?

O sol ilustrar superfícies aladas?

A música entoar o caminho, orquestrar paradouros, inventar

a imagem do sonho curioso e atento?

Tuas ideias sonhadas esvaem-se na aurora

És pássaro dentro da noite rendida nas cores

Elásticas cores que ampliam-se além horizontes…

Então acordas do silêncio, assume a loucura, atira-se à rua…

Levanta o tempo embrutecido, o corpo gasto, a ferrugem

descolada no suor de outros operários

Resume os passos nessa noite maior que te abraça

Os pés de esmeralda dessa dor.

Trabalhar cansa

O cansaço vem

Inevitavelmente o cansaço vem

Trabalha-se para recriarmo-nos

Trabalhamos felizes e infelizes

O cansaço vem para ambos

O cansaço feliz é o milagre

A liberdade do trabalhador que cansa e seu cansaço é amor

O cansaço infeliz vem da construção de pedaços

De coisas para outrem

Um que não tem nome

Um que te frequenta e não é você

Por isso cansaço vem

Vem muito

Cansamos por não amar o que criamos

Por sermos pedaços a criar pedaços.

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19 respostas para Poemas sobre trabalho

  1. lupita ferrer disse:

    muito legAL

  2. natuurfreak disse:

    You are written wonderful poêzie

  3. sherazade disse:

    Peccato grave la traduzione.
    Piacere conoscerti.
    Ciao dall ‘Italia e da Roma
    Sherazade

  4. vikibaum disse:

    Cansamos por não amar o que criamos

    Por sermos pedaços a criar pedaços.

    grande verdade eu realmente gosto de seus versos, olá, Viki

  5. Marta Pinhao disse:

    ¡Hermosos poemas! Gracias. Abrazote.

  6. marycarmenmur disse:

    Buenos días, aunque me cuesta seguirte en tu idioma, prometo no dejar de intentarlo. Bienvenido a mi blog. Seguro que será una riqueza para ambos.
    Un saludo
    Hasta pronto
    Mary Carmen

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