Poemas sobre garrafas

Lobo do Apolo

Sigam-me os que estão livres.

Por mim, o mundo inteiro vai comigo.

Vamos acampar no inferno e aterrorizar o diabo.

Vamos transcender entre a aurora e o crepúsculo.

Infernizar o mundo de loucura verdadeira.

Deixando as dores para o esquecimento.

Plantando flores para nossas mães.

Arando a terra para o desprezo.

Encontrando o amor sem dobrar a esquina.

Viajar sem mágoas para o fim do mundo.

Encontrar o tédio sem abraçá-lo.

Deslizar no pampa cheirando o presente,

como se hoje fosse o último dia.

Descer os rios em direção ao céu

e vomitar na lua todo teu pesar.

Esquecer que se vive para se encontrar,

lembrando que vivemos para transcender.

106 horas de delírio

PARA PAULA RODRIGUES.

Meu corpo é brasa crestada pelo sol.

Minha febre arde mil megatons de fúria.

Provocado pelo hábito caminho na rua do tédio

Desoriento a realidade

Afirmo a dança dos passos

Crivo a sombra no aspecto do muro

Sopro a cinza de premonições obscuras

As teias no céu flutuam

Caminho sem pedir nada em oração para Nossa Senhora do Cerrado

Estou tranquilo no meu voo desses dias

Vejo a noite como uma menina

Olhá-la é sentir-se excitado para a vida.

Ter vocação louca para poeta

Ter um mistério à espreita

Escapei dos perseguidores desalmados

Caí nas mãos indecisas de um mistério

Era quinta-feira e não neguei minha loucura de homem que anda

no escuro de mil demônios

Não neguei a mim mesmo porque sei o quanto arde rememorar o contínuo

grito de estar pronto a cada segundo no parapeito do abismo

de loucuras extremas e fugidias

Quero mais é que explodam as minhas veias!

Estou a cavar o agora!

Fique do meu lado e sinta

Mas aviso-te!

Sou rápido e nervoso

Quero o novo ontem

Descarrilado vou arrastando as ruas

Fique do meu lado a cavar bem fundo para que o ar desapareça e

a causa durma o sonho eterno da bem-aventurança

Posso até cambalear tua dúvida

Causar aguamentos em teus olhos

Posso até mesmo morrer devasso em teu útero

Mas estou a cavar o agora!

Olhe firme para as borbulhas do copo até sentir sede

Olhe firme, bem firme para minha morte.

Enquanto vejo tuas estrelas refletirem nas paredes do edifício, nas paredes de meus olhos

No cara de amarelo cantando o louco tinir da música

Sei que quando parar de reclamar alguém vai rir em delírio louco, louco, louco, louco!

Tudo será silêncio e vou tentar dormir sem vencer a última cerveja.

Deixei um gole para os deuses que estavam a sufocar-me.

Estou decretando nova ordem para mim.

O trabalho não me apraz como antes à limalha do meu rosto.

Estou sendo seguido por espíritos bêbados.

Os motores rasgam nas avenidas do meu cérebro tolo.

O barulho alimenta minha insônia escavando o amanhecer.

Desaparecendo no blues dos miseráveis.

Quero mais é que explodam minhas veias com um simples pensamento de deixar-se cair

do céu do teu cheiro louco, louco, louco, louco!

São os corvos de José!

Os Daniell’s do Tenesse!

A louca viagem da Escócia em meu corpo ébrio.

O padrão apto para o cavaleiro dos calvários.

O silêncio dos barris em minha alma estática.

O tridestilado veneno do terrível Ivan.

O lúpulo pernicioso e daninho das minhas intenções coléricas vomitando poesias no palco

das ruas em que esbarra no meu braço o calor desejoso de mulher louca, louca, louca,

louca!

O meteoro do vinho passou por Apolo e chocou-se em Adriano vício.

É a Internacional gritada na demência da noite.

Estou a cavar o agora!

Fique do meu lado e sinta.

Levante o verso na roda do sarau.

Tenha coerência e atitude no grito de querer mais.

Só pare no desmaio!

Cuide para deitar-se ao lado dessa menina, e quando não puder mover-se voe no balão

número 9 de Dumont

Não use relógio, e se o telefone tocar, o tédio irá abraçá-lo ao acordar do sonho sonâmbulo

de 106 horas de delírio.

Agora sei por que o porteiro do inferno foi para a porta dos fundos ouvir um sonho doido

para deixar queimar-se.

Sei que a cada gole me despeço.

Minhas alucinações contínuas são doidas imagens do nada.

Nem mesmo chove para lavar a agonia da vida.

Quando alguém me sacode estou ébrio demais para acordar.

Estou tilintando sonhos estraçalhados em copos vazios.

Caindo de precipícios em cima de telhados de zinco.

Estou a cavar o agora!

Fique do meu lado e sinta.

Olhe para as garrafas vazias dos meus olhos.

Minha fotografia não tem mais identidade

O descongelar do gelo do meu pensar está inerte.

A canção está para acabar, menina!

Logo será o mistério a cortejar o infinito.

Alguém dirá que não posso fumar no domingo

De acordo com o tédio, vou em frente abraçando a noite em catacumbas onde os homens

estão vivos.

Danço uma canção com uma índia.

Floresce no meu sopro a agonia.

Levado na viagem da tarde passo a olhar o céu sob teu peito.

As folhas dançam o vento que mergulha teus lábios.

O céu fica azul e negro em teu silêncio.

Quando foges, fico a ver-te no meio fio do pensamento e caminho quilômetros em tua

companhia.

Deixo a fumaça esvair dos meus lábios para pintar o quadro decadente em que lágrimas

derramam um momento inexistente.

Lá está o desenredo louco, louco, louco, louco!

 Ilusões de novembro

Um copo quebrado não contém líquidos

Um pouco de cerveja e fumo talvez não mate

Mas possa morrer no seio ácido da língua dormente de amor

Descompassado no meio da cidade onde morres

Descartado no baralho da vida

Viciado nas noites

Sabendo que é tarde para refazer o seu mundo

Afastado do amor

Sentimento esquecido no sonho dos homens

Vives em bares, canções, cigarros, saudades e corações

batendo em retirada…

Entre espumas de gélida embriaguês

Fuga mortal lenta que segues

Olhas dentro da noite

Vês a estrela no alto da escuridão onde debate-se

Relembra os olhos, os lábios, a fúria…

Ficas louco de amor e queres tocá-la.

Hotel Dora

                                       “SOU UM ESTRANGEIRO, E JÁ PERCORRI O MUNDO

                                                  DO ORIENTE AO OCIDENTE SEM ENCONTRAR A MINHA

                                                   TERRA NATAL, NEM QUEM ME CONHEÇA OU SE

LEMBRE DE MIM.”

                                               Gibran Kalil Gibran.

Lá estava ele no escuro do quarto

Era um dia de julho

Nevava polens

Um cigarro apagado

Um frasco vazio de bebida amarga

E uma companhia sem nome.

Uma pomba branca rasga a madrugada

PARA MEU AMIGO CHARLES SANTOS.

Coloquei minhas duas mãos no vazio

Peguei um fiapo do horizonte

Virei a nova página

Avistei um novo gênesis escorrendo em traços febris

O tapete vermelho estendido para a cólera

O pesadelo rasgado na noite

Uma fração de blues arrancado de um desejo mudo

Uma luz acesa no alto nevoento acalentando o tédio

Vulto de fantasma feminino indene no mundo fitando olhos trêmulos

Notícia ruim recortada em dez camadas de veneno

Tudo paira em palavras inacessíveis

Pálpebras piscam sinais de trânsito

Crianças dormem notas musicais

Punhos de ferro cicatrizam imóveis seus nervos dementes

Sucessivas luzes iluminam avaro coração de mar

Animais desintegram-se sob estrelas

É bandida a manhã desses dias na cidade

Túmulos de gritos ecoam Pasárgadas

Escavam-se notas atritantes no asfalto

Corações são levados na leveza das velas

O apocalipse ferve momentaneamente nas cores

Que retorçam-se os infernais amigos de Dante

Que desconjurem-se as cidades em que devaneios calam

Sou amante demoníaco das eras

Guardo o silêncio das emendas que esperam

Avanço em descontrole rápido pelos desgrenhados cabelos de Elisa

Atiro-me ao chão dos pensamentos sonâmbulos

Abandono portos que esperam-me

Pela raiva navego em descomeço

Colei a quilha dos passos para voar a trinta nós na enseada perdida

No vento delírio de minhas palavras coladas no pilar dos fatos deixo soar a loucura

Acelero na direção de dois tomos

Faço calar sintomas de medo quando a noite desintegra-se

Detono os horizontes das linhas do meu inventário sobre desilusões

Estou a dois milímetros que separam-me de mil tufões

Sou átomo dissolvido em canções de espectrais magias

Sou qualquer coisa, qualquer vernal de mil encantamentos

Agonizo no último bocado de ar, vejo o teu século de flores nos pincéis dos homens

ó vida

A inércia dos teus cabelos falam de ruas cheias do que chamam podre

Sentirei seus lábios loucos por curvas doridas ou tentarei viver depois de um tapa

Vago em jangadas sem rumo nos ventos de maio, eis um modo de dizer sobre o nada que

se entenda.

Um maço perdido

A sombra bebe comigo essa hora indizível

Um beijo vermelho seco atravessa o gargalo

Esgueiro-me na superfície de uma biblioteca

Rumo sem rosa dos ventos ao relevo das ruas

A cidade assume páginas noturnas

Há tempestades em minhas veias

As folhas caem sem aviso das torres do outono

Meus ouvidos são carros velozes num olfato de ternura

No tardar insólito de um domingo triste ventos içam velas para o fim

Esquinas espreitam olhos de medo

Caminho passos na direção de um delírio

Piso horizontes em flores exaustas

Ofereço meus olhos ao tempo que corre em meus dias

Amparo na noite o silêncio de agora

Esta história não deseja ser contada

Quedam-se as vozes, o entorno é quieto

Saltam brumas…

A garrafa vazia vagueia.

Lá da lua

PARA PIQUI.

Tudo que parecesse não seria ainda perfeito.

Tudo que imaginasse também não seria preciso.

Todas as palavras teriam eloquência vã.

As paisagens passariam a ser os pensamentos.

Viajaríamos nos ventos e nas ervas.

Teríamos canções evoluindo em nuvens de cera.

Caminharíamos em túneis dentro de ciclones.

Comeríamos metais no continente nevado.

Abrigaríamos os filósofos árabes em poesias.

Desceríamos os rios das estrelas que guardei comigo.

As flautas retumbariam em paredes de gelo.

Crianças dançariam cirandas nos telhados.

Na casa do lago vaga-lumes mergulhariam no ar.

Ondulações nos desertos de mim acolheriam teu vinho.

Visões desceriam das paredes e acordariam os homens.

Copos suados conservariam bebidas que teus lábios tocaram.

Venenos intoxicariam o que chamam de moral.

Indivíduos fariam parte dos conjuntos de imaginação caídos na arte

secreta da criação de espetáculos.

O vento ventaria os cabelos das pequenas meninas que beijei na rua.

As luzes guiariam os passos das incríveis magias.

Loucuras teríamos no céu dos tufões.

Qualquer alguém pintaria o futuro das ruas pisadas pelos pés da ternura.

E lá da lua veríamos apenas a imensidão de nossos olhos tocando-se no infinito azul claro

do céu.

Precipício

Na esquina não há luminárias

Têm-se apenas a tomada de uma cena suja

O vento atado ao corpo insano da noite

Sem mais abrigos para refugiar-se

Um vulto tomado de frio rola como papéis

esquecidos empunhando uma garrafa de qualquer coisa forte

A noite debruça névoas trêmulas…

O vulto parte à escuridão

Leva o espólio de alquebrado poeta.

            Caminhante

Exponho meus olhos, circulo no sonho

Construo nos passos roteiro de versos

Escavo nas brisas imagens cinzentas

Das madrugadas encubro as neblinas

Enfrento nas sombras o grito da bruma

Nos caminhos desato lonjuras

Memorizo paisagens, desenhos de mãos…

Palavras longínquas ecoam em mim.

             Um sonho em Pasárgada

                        AO COZINHEIRO-POETA ÉRICO.

Se minha sombra fosse para Pasárgada

Abandonaria as desculpas da amante e buscaria novo amor

Em Pasárgada não achar-me-iam sozinho num banco de parque

esperando o sol arremeter-se ao firmamento

Não! Em Pasárgada todas as ilusões são verdades

O tempo a toda hora nos oferta o recomeço

Em Pasárgada escolhemos as noites e as luas

A hora do ocaso é outro dia

Lá as ruas têm aromas de flores, tudo é paz

Lá não se escreve em papiros, a pele das musas é oferta aos poetas

E a tinta coleia na língua e no apreço das mãos

Vou-me embora pra Pasárgada

Lá derrubamos o rei.

Dos olhos do lince

Quem chegará desenhado de medos

Amarrado de sóis

Anunciado de distantes latitudes

Convocado por raios despidos de fúria

Quem aportará navegado de luas

Maresiado de estrelas, encharcado de sais

Nublado e chuvoso

Quem deixará sua sina enlameada

As memórias perdidas

Os lamentos antigos jogados ao éter

As brisas de fogo rasgadas de olhares.

Saída

Viajo em teus subúrbios Porto alegre

Em teu lago afunda o sol e eu afundo em tua noite

Não há lugar que me suporte

Nem gentes, nem estradas secundárias, nem miragens

Sou um caroneiro a nunca chegar

Não há um destino, nem destinatários chegando com cartas

Todos os lugares são passagens libertas de mim

Estou em voo

Os horizontes se abrem e se escondem a mim

Sou um pedaço do tempo que aflora nos livros

Em ermas paisagens

No reprise de estrelas que se apagam

Viajo para os séculos

Para montanhas enluadas e os desenhos em meu cérebro refulgem átomos pintados pelo

trânsito do mundo.

                        Noturna desesperança

Voa comigo uma noite em silêncio

Uma nau carregada de sonhos inflada em loucuras

Caminha a meu lado uma sombra de eras

O desenho marcado de relva e concreto que oscila

aos meus passos

Voa comigo o sangue malhado de aço e cimento

A rua sonora de caos e fumaças em cima do asfalto

O rito da névoa na boca-de-lobo

O bandido sedento de cruzes e grana, sem par e sem nada

Voa comigo odores de lince num faro impossível

O gesto absurdo no beco sem luzes

A rima imperfeita apanhada na lua

O soar ilusório de um grito distante chamando meu nome.

                        Continuum

É viola mal tratada em minhas mãos

É canção laminada em canivete

É corte de sangue, rasura na cara

É armadilha do porto, terreno vadio, superfície do gueto

É resquício sujo da noite

É fuligem de máquina, veneno de cobra, coração traído

É poema malvado, verso de sombra, demônio nos olhos

É pedra quebrando, desejo acreado, desenho de dor

É conversa mesquinha, medo furioso, molotov voando

É medo no asfalto, covarde fugindo, bandido nervoso

É pureza violada, caminho perverso, encontro tedioso

É briga de rua, conversa de esquina, carteira batida

É crime de guerra, violência irrestrita, é farda sem honra

São sonhos impuros, fogueiras queimando, histórias sem fim

É jóquei lotado, fortuna perdida, mulher sussurrando

É conta não paga, homem sem teto, ricaço sorrindo

É bala no peito, velório sem flores e céu desabando.

À espera no beco

Aqui céus opacos atrás do escuro papiros iniciam dizeres

Aqui portas entreabertas à minha inquietude

Aqui livros incineram memórias e a brisa leve é

caos nas pupilas da lua

Aqui tenho a fome insaciada guardada no beco

Tenho a guarda da noite, o samba e a loucura

Também tenho a esperança

Não a esperança cansada!

A esperança frouxa e sem talento!

Tenho a esperança livre

Livre e desaforada esperança.

Inquietação  

Deixa o poeta rasgar suas dúvidas.

Amar e entristecer o vinho bebido na insônia.

Esquecer os poemas que falam demasiadamente em amor.

Deixa o poeta aniquilar seus horrores insanos na mágoa.

Deixa ir embora a inspiração e o desejo da angústia.

Peço encarecidamente que o poema se cale!

Esqueça os provérbios,

Falácias e epitáfios de bronze.

Deixa a brisa sonora dos ventos tocar o corpo imaginário da poesia.

Deixa o microscópio focar no vazio do verso.

Anima outra peça teatral, não a minha dor!

Deixa-me apagar o cigarro na face de minha própria múmia.

Não importune meu silêncio de eras.

Vá caminhar no parapeito das desilusões,

Mas deixa-me aqui, imune ao som e aos pesadelos.

Compre o primeiro disco de alguém que toca sax em algum

lugar do norte da América e tente esquecer minha solidão.

Deixa-me aqui a soletrar palavras na fumaça do incenso.

Deixa o iceberg derreter-se no mar dos meus olhos de fúria.

Diga para que a noite não acabe na aurora.

Provoque uma só vez o desatino das tuas lembranças.

Coloque sal nas canções que fazem doerem os aflitos.

Corte a navalha a insensatez dos amores.

Mas deixa-me soprar o fumo da dor de ser teu escravo.

                        Anúncio da rebeldia

                 PARA LAURENCE.

Andas então pelos teus caminhos

Acolhe as visagens desse tempo

Entre luas e sóis percorres bravamente

passos de teus olhos

E vê muralhas e presídios, guerras e fomes

Buscas então pelos teus caminhos

Levas contigo a honra dos livres

Empenha teus punhos sobre a vida

Brada o fulgor da glória num sorriso.

Demoras

Os papéis estão em branco

Ainda o verso dorme nas viradas das ondas

Ainda sou eu a sombra circulante navegado sem leme

Sou eu o credor do destino dessas linhas infeitas

Acolham-me brisas, luares, taças encharcadas de vinho!

Acolham-me cartazes – procura-se o verso!

Ajudem-me a achar a estrofe insaciada

O desejo da rasura no veio da vida

Ajudem-me a achar a vida!

O pensar escondido

É demasiado pedir?

Tragam-me velas, aparatos circenses, uma rosa bela

Mas depois me deixem, o pergaminho vou riscar com dor.

Herança

Deixo essa herança de sonhos, essa fumaça expirada

de uma solidão desterrada em minha alma

Deixo as palavras das despedidas que encontrei nas estradas,

caminhos que sulquei com meus pés a vontade de ir

Deixo o preâmbulo soturno das noites

onde amei o desespero e a emboscada felina do amor

Deixo o riso das lembranças, dias que anoiteceram

como um vento de saudades, legando-me distâncias e paixões

Deixo o mistério indecifrável das alegorias andantes,

o perfume de um tempo mais ameno que minha infância viveu

Deixo o tiro da revolta no espelho das misérias

e a incapacidade de sobrepor o amor  no coração dos livres

Deixo o fio dos versos dessa poesia sentida em meu hálito,

o abraço fraterno de momentos felizes e as pálpebras abertas para a morte.

Dos órfãos

Corre menino sem nome

As ruas são ingratidão

As portas que abrem são descaso

Corre menino sem nome

Foge numa chuva de risos

Enlameia teus passos nessa rima suja

Persegue tua sina de ciladas

Rouba à morte atalhos para o abismo

Corre menino sem nome

Não precise teus sonhos em ação desespero

Observa esse vento que passa por ti

Assume teus olhos

Socorre tua vida no olfato dos dias

Amplia o tato das horas que vão ao relento

Já tarda em teu corpo o calor da injustiça

Teu sorriso de ferros não basta

No limite do cais o sol é ocaso.

O Alcoólatra

Vagas passadas andejam sonolentas noites adentro

Um silêncio absorto atende meus sentidos

Adentrei no Lar dos Infelizes, ao fundo à rua dos lobos

Bebi a aura de uma forma imperfeita

Confiei demais em alegrias…

Em razões supremas…

Exagerei emoções, não me entenderam!

Julguei errado em me sentir sofrendo o que não mais espero

Embriagado desvirtua meu pensar em queda livre

O hipotálamo revela-se perdido entre quimeras

A cada fase das horas mudam-se os fantasmas

Progressivas ondas invadem meu encéfalo

Meu falar anuncia amarrado pensamento

O inconsciente que me arrasta atropela meus desejos

Afronta meu raciocínio a desarmonia em meu sangue

Força a palavra arrastada num esforço confuso no universo das horas

Embaça a visão

Os olhos já não sabem

O envolto não se entende em meio à teia alucinante das esperas sem encontros

Tortuoso meus sentidos se derramam

Conheci nesse delírio a nova amante desmaiada em meu tropeço

Encontrei a náusea evaporada em seu silêncio

Destilei em suas veias esquecidas e nesse esquecimento me mantive

Anunciei a nova dose ao queimar da minha alma numa sombra titubeante

Venenos socorreram a queda viva da minha morte

Levo esta existência por todos os caminhos aos refugos da maré!

Essa espuma absolve minha dor, evapora meu crime!

Assume a ressaca tempestuosa dos meus dias

Faz esquecer meu delírio

Sufoca-me as lembranças

Este resíduo me embriaga ao tilintar de um coração que é sino louco

Mistura-se ao gelo e forma o lento pensamento

Do fundo do copo nasça o tédio!

Teorias…

E o amor malvado surja contemplando auroras sonolentas

O sangue vire álcool vomitado nas festas

Nos becos

Nas salas dos palácios…

Não é possível ir mais longe nesta noite!

O gosto acre se dissolva em minhas veias!

Este corpo que carrego já não vale uma garrafa!

Eis-me cheque rasgado em pedaços de cartas

Agarra-se na garganta angustiada os pesadelos

Os destilados dos ventos me anunciam!

O mundo muda em giros curvos após o brinde

O tonto calmante envolve meu ritmo

Sou alma despegada ao fim das ruas

Um mistério incompreendido me resume

O nevoeiro insinua o brilho sujo das luzes

Ébrio demais nesses dias meus sonhos loucos esvaem-se em fumos

Tomam à paisagem das sombras a inconsequência daquilo que me arrasta

Desenham caminhos nas formas do redemoinho que desata meu tom

As ruas metem medo no fundo da ânfora desse pesadelo

O homem sem cor na curva da estrada tem sede de nadas

O vazio se revela irrespirável!

Adentra em atropelo lancinante um sem controle de desejos

na porta aberta desse caos em minha mente

Num gole esquecido num sono sem sonho, sonho meu divaga

louco em fugaz desesperança

O copo derrubado, jogado!

Quebra esvaziado no chão do desespero

A imagem voa aos pedaços no cristal da metafísica

No crivo dessa sede desencarnam as ilusões

Os sonhos se confundem

O meio copo serve ao desespero que se funde ao final de uma estocada

Um gole rasga o lapso fugaz dessa existência

Recusa à vida nas cores borbulhantes de um gargalo

Não se sabe mais como sair dessa poesia

Como voltar de todas as verdades?

Não há mais que um teatro imaginário

Insetos rasgam sob a pele feito castores sob a terra

O delirium tremens meu corpo!

Mistério alucinógeno engana meus olhos em sonhos de morte

Um cigarro fumado na insônia de cinzas sem brasas

O trago de neve nos ombros da noite desliza em metáforas sombrias

Falham meus passos num caminho já sem horas

Meu equilíbrio é lóbulo inverso em desamparo

Uma convulsão arranca meu coma

O vômito fala em minha boca

Amarga sensação em grito amanhecido já sem força

Já não tenho um nome!

Na solidão aguda das noites o beijo inconsciente das auroras me condena

Passo violento ao futuro das desgraças em ferozes babilônias

Afastei-me ao extremo da razão e da loucura

Violentei a realidade de um caminho que escolheu-me livremente à sua desordem

Insensível a tudo abraça-me a inconsciência

Desmaio num transtorno e não acordo

Sou fantasma disforme a flutuar na imagem de um beijo sem faces

Disparam cavalos brancos numa nuvem clara

Nas nuvens voa meu pássaro.

Paixões semanais

PARA CHARLES BRITO.

Pela janela a cidade plantada

Caída em soluços

A relva industriaria de máquinas homens

O joguete sujo da fome, o mau poema da noite

Sangue de chacais no esgoto da plebe

Demasiada filha caquética, pilar dos senhores

Surto de febre, miniatura de séculos, maquete da dor dos poetas

Menina pobre que me ama e me trai no meio da lama do seu quintal de flores secas

Do veneno matador de amores

Garota bêbeda que me beija

Labirinto de sensações perdidas, mulher estranha…

Atenta ao anjo cego que deita meu corpo melancólico e podre

A certeza da demência em suas ruas

O vinho derramado em seu algoz, bebida forte do caos

Imaginação de minha alma, contadora de lendas, mistério de escombros,

música triste da vida

Colorido sonho da vileza nauseabunda do meu peito

Frio ódio louco da neve

Cinzeiro de chagas em cigarros acesos de angústias

Tentativa sublime de amar devaneios

Cálice que índios moldaram no fogo ergue a teu corpo nauseado do fumo,

o narcótico gás

Néon da noite para meus olhos de mil arrebatamentos cheios de luz

Bonita dama sádica acompanha meus ombros no vento

Menina levada de temores, beijo imóvel que te sonha, habita teu lado

obscuro em silêncio

Contorce a clava em suas pedras

Inutiliza-se em sua sombra

Cidade caída em meus passos pequeninos de tédio, mistura de vícios,

multidão de uma só vida.

Poente

Caminho recolhendo o gosto amargo do poema

Limpo a boca do asco no punho da mão que acaricia o verso

Passo a passo caminho na angústia dos paralelepípedos

O movimento das ruas zune socorros

A marcha devora o entardecer do meu crepúsculo

Vitrines mostram o medo da aflição que não tem jeito

Acaso o ocaso for alívio quero logo esse conforto

Quero logo meu delirium tremens!

Minha última milonga para dançar aquela dança.

Este poema me carrega para o desolo

Tem gosto de mágoas crestadas de fel

No fundo penso nela

Caminho para escurecer minhas lembranças.

Esquecer as calçadas que pisei ao lado do verso que não acaba

e não encontra o último sonho

Caminho para ver a mesa suspender o copo do vazio.

Brindar comigo o desânimo da espera de andar para o infortúnio.

Cansei de ver o colorido néon ofuscar estrelas

Estou mais para paredes de tijolos duros

Minha vida não é menor, nem maior

Minha vida é uma canção tocada em dó.

Veneno Dionisíaco

Cruzando a noite no limiar do perigo

às caladas do cais.

Atrás do remédio para o tédio

na cilada da noite.

Minha oração é o pesadelo do mundo

às caladas do cais.

A maquinação na voz secreta da alma.

A noção do que faz ou sente

O conjunto dos fatos.

O clandestino tomando parte numa cena.

A sinfonia do mar e as canções dos barqueiros.

O delírio do marinheiro que abandonou sua causa

Na garrafa vazia de rum

A solidão do desterrado no divã da calçada.

A doca vazia.

O mar encapelado.

A enseada tomada pelo sonho etílico da noite.

Os limites da loucura no último grau de intensidade.

O farrear dos navegantes.

O flerte das mulheres em fluxo constante.

O pecado da luxúria fumegando no ar.

O grito do gueto.

A morada dos demônios.

A insuficiência de ar.

O desejo violento de possuir a chave do inferno.

A pequena porção de veneno na mão do demônio.

O cheiro de gordura no ar dos botecos.

O cogumelo de Hiroshima.

A sombra do patamar junto à porta do limbo.

A rua do inesperado.

A boca do inferno legando o perigo.

O porto infinito crestado de estrelas.

Um homem dominado por uma paixão insensata

Vagueia no cais como um corpo celeste.

Um satélite no espaço mágico do mal.

Maré cheia na marina!

Uma combinação de gestos.

Uma série sucessiva de sons em metamorfose no porão do edifício

na rua da dor.

Milongas no ar!

A cessação da vida carregada com pólvora.

O que não existe.

O cheiro vivo e penetrante.

A maresia.

A narcose e a náusea do náufrago navalhado no chão da loucura.

O mar de Netuno.

A consequência do ocaso na efusão de um fluído.

Quase minha vida

A VÓS ÉBRIOS DE ENIGMAS, GOZOSOS DAS PENUMBRAS, ALMAS ATRAÍDAS POR FLAUTAS A TODAS AS VORAGENS ILUSÓRIAS.

Friedrich Nietzsche

Precisava ser duro, evitar o gesto que matava-me nas noites

Não sair de casa, evitar.

Porque todos saem para um mesmo lugar?

Precisava ser um novo trem que puxasse mais vagões

Uma máquina que não me levasse ao precipício guiado pelas minhas mãos

Uma coisa qualquer que não precisasse de óleo ou líquido insano para arrastar-se no

caminho do bem e do mal

Da fé que compõe minha força

Do horizonte cheio de fumaça que ainda quero ver porque sinto raiva e não consigo ser

poeta dentro do dia

Meu óleo está fraco como uma taça esperando o último gole de uma boca devaneante que

não sente gosto

Não sente nada e tem vontade de vomitar no mundo

No meio da festa dos detestáveis que leram um livro que contava outra vida

Não era a verdadeira história que oscilava para o mundo como fera a rasgar resíduos

Enigmas quotidianos, segredos de como agradar meus caros amigos que não me abraçam

por medo de pecar

De alguém estar olhando um homem vestido de terror

Morrendo, abraçando a morte, beijando-a

Melhor voltar para a placenta e ler um novo verso sujo antes de nascer escaldado pelo

milagre da vida

Deitado na mesa, espalhado pelos bares como oitava maravilha, gritando:

Ouçam-me, eu quero um momento!

Preciso salvar-me da preocupação de ver-me em silêncio

Quero o que resta da natureza para guardar nos bolsos e mostrar aos filhos que esperam

ser lançados na grande bola de lixo que as esteiras amassam

Esperem por mim, me esqueçam, fujam, joguem fora o óleo santo da vida

Que santidade teria de adorar agora que penso ser justo e quero queimar meu semelhante

Leio um livro que fala da verdade, da felicidade, do beijo de Deus

De como bebe-se a aura da luz, e como o inferno permeia próximo

Encanta tomando os espaços que ficaram vazios naquele odre que carregava a mão do

homem amigo da pintura e da beleza

Que buscava o terno abraço

A questão da loucura fazendo escalas na noite

A lembrança de outras noites que não se configuraram sendo empilhadas como barris de

cicuta no depósito das dores

Avança a deformidade como a terra balançando num pêndulo

Pisando no barro, sendo um impulso e tentando plantar a nova colheita

Beber a nova dose de tinta, tirar as entranhas, animar a festa de Lúcifer naquele salão de

ouro e desenhos barrocos

Quanta tolice nesse dias, e todos os venenos…

Estar morto ou como queiram

Querer provar o desconhecido que se vê ao fundo da taça como um colírio de desdém que

arde no fogo de mil fogueiras

Enquanto dançam os últimos loucos no coração da noite, no delírio do espírito despido

buscando um momento de catástrofe

Buscando inspiração para o novo dia ou a nova morte

Já estou confundindo o final dos tempos com o crepúsculo

Meu apocalipse é hoje

Quero dizer a amo, tenho um poema para cada curva que me salvar do precipício

Quero ver o sonho realizar-se em meio às chamas

O fogo vivo em cristais

O pão amassado pelas mãos do demônio

Quero ferrar alguém e rir porque sou mau e posso levitar

Sou uma máquina caída no vazio

Preciso de óleo nas engrenagens do meu pensamento articulado no tédio

Minha arte teme a mim e mais nada

Estou louco, estou solto…

Cuidado, ainda não sou um assassino, mas posso matá-lo!

Não me dê às costas nas ruas, posso feri-lo e depois atirá-lo às pás de um arado

Sou um plantador de cruzes, um desalmado gnomo

Um velho pescador desatinado que navega para ver apenas o mar da noite

Os olhos da sereia encantada em cada luz das fachadas

Ver o fumo misturar-se à névoa da madrugada

Enquanto morro junto com meus cânceres, enquanto te espero para brindar aquele último

beijo.

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4 respostas para Poemas sobre garrafas

  1. Jussara Luna disse:

    Muita beleza e sensibilidade nos seus poemas, Odilon!
    Obrigada por sua visita!

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