Águas para longe
PARA O AMIGO CLAUDIO CARDOSO.
Quero andar para um rio
Ver verde de campos…
Matas plantadas no céu…
Ouvir pássaros, águas nervosas, montanhas caladas…
Correr no inviolável silêncio dos meus olhos!
Abandonar-me sobre as pedras
Observar liquens, lagartos ligeiros…
Novas estrelas no arvoredo noturno
Quero praticar o silêncio.
Escalar irregularidades no corpo da terra
Espreitar muralhas recortadas na lamina das águas
Arrancar do sol marcas em minha pele!
Da noite, em tenebroso abraço quero o uivo longínquo que me espera.
Aurora
PARA TIAGO, ILUMINADOR DE AURORAS.
O sol acolhe a íris do mundo
Nas águas navegam belezas da luz
Um cone de cores espalha na água a voz da poesia
O espaço abre os guardados da noite
Morre a neblina clareando dorsos raiados de sais
Eis as areias brancas enfrentando espumas molhadas de azuis
Eis a riqueza do dia iluminando a vida
Eis o coração do poeta esverdeado de amor.
Das asas que não voam
PARA JÚLIA.
Voado de nuvens o canto dos pássaros
pousa silenciando amanheceres
Nos deslimites do céu revoam solitários olhos ensasados de paisagens
Celestes miragens engastadas de azul anunciam voares perdidos
Sóis enfurecidos revelam cantares lanhados de ares
Luares serenados encorujam os olhares do esmo
Ventos ermos navegam sem asas ao rumo dos bandos
Aninha-se na relva a cor do meu pouso.
Das fogueiras
À frente do mar os seguidores do fogo soçobram às ondas
Os olhos, luzes no céu ranhuram chamas envoltas de paz
Dos corações emanam pássaros voados em esperanças
Voados de liquens cobrindo pedras na lagoa das virtudes
Nos sorrisos esplendores de verões derramando alegrias
Auras à espreita de brisas indesertão o vinho da noite
Acompanham ao cálice das horas estratégias no tempo
Essa extensão das distâncias mais distantes…
Encontrados com a lava da ternura
Amparados ombro a ombro nas ruas do continuum
Celebrando junto o viver dos livres.
Das mirações do mar
PARA A AMIGA SARAH GOULART.
Quero mirações perto do mar do meu mundo
Quero estar contigo
Quero confiar em tua sombra
Crer em tua pele
Quero ventos secando o que pouco a pouco vou perdendo do que fui
Estou na maresia dos teus lábios, o suor nos teus cabelos é toda minha água e os serenos
do teu corpo irrigam minha seca morte
Vejo miragens endunadas nas tuas coxas
Suspiro aliviado por saber que não te tocam os amantes que enlouqueceste pelos caminhos
Agora sou eu a tua dor enluada
O teu facho de luz na noite interminável a derramar teu corpo sobre mim
Sou eu a carne engastada em loucuras que flama em teu peito
Sou eu essa onda que vem toda noite acariciar os teus ossos
Enfarolar os teus olhos navegantes
Estou entrando em teus olhos, o fundo do mar é meu atalho
A salinidade jaz na minha língua revolvida de sereias descamadas
Cubro o universo de areia e teus cabelos e teu rosto sorriem para mim como flores, estrelas
e rochedos impávidos
Danças então à meus olhares e teus gestos são nuvens efêmeras que guardo comigo
E haja o lastro da memória para te ter sempre em minha vida.
De um só desenho
Minha solidão é cheia de imagens
Caminham comigo meus mortos que vem ao meu encontro pelas veredas do sol e o
cristalino da chuva que cai em meus olhos
À noite, no claro da lua o céu engole o mar
E desce na brisa que vem em minha boca o gosto de estrelas
E a Mulher vestida em belezas caminha a meu lado
Convidá-la-ia para o vinho que Ela beberia em lentos goles pausados em mim
Se forte a brisa, exercitaria meu sopro devolvendo às Patagônias do mar seus filhos
ventosos
E Ela sorriria para mim caminhando a meu lado
Nas profundas madrugadas navegaria águas revoltas do meu corpo como um barco
perdido
E seria aurora acendendo na proa do dia seus seios ilhados de sonhos
E Ela cantando e calando deitada ao meu lado
Nas montanhas levaria condores a voar em seus olhos
Polens selváticos manchando minha carne seria sua carne
E a neve de cores incríveis pulsando do alto desenhando os caminhos com Ela a meu lado
Meus ossos seriam o pó em sua sede infindável
E a alma escondida em meu corpo serenando no ar tocaria sua alma em tempos distantes
com mãos enversadas.
Desclaro
Enfio-me na relva da noite
Na sombra assombro meus passos
Trevosas as estrelas se escondem no alto
De milionésimos vai o tempo
Cada grão de areia da lua suspensa no espaço acode o escuro
Não enxergo!
Há pântanos, fúrias neblinosas, feras cruzando-se nas selvas
Loucas vozes do destino!
Voeje seu canto misterioso pelos ares da vida
No largo dos caminhos nasça viva.
Desterro
À deriva nas águas de um sonho
Coração sem nome, queimado de brisas
Sou visagens mareadas, horizontes de silêncio
Nau divagante de ventos, águas nervosas…
Leito ágrafo de distantes tempestades
Vou buscando o trago silencioso do sono
Sou encontrado no sal de um degredo.
Indelével
A imagem do vazio dorme sem estrelas
Astros tocam enredos no carrossel do giramundo
Ao declínio da noite lâminas de luz saltam às veredas da aurora
No céu desvairam a beleza das tintas
Nuvens encalham no ar
Pássaros voam sobre o mar um cansaço de horizontes
Polens iniciam a aurora.
Mareadas
Chamas ondulam ao fogo da noite
Crepitam amargas no vão das esperas
Barcos marinham distâncias
Minha alma é deriva no nada
O escuro enlua minhas naus
Rasga o véu das águas salinas
Tarda as estrelas findantes
Estanca os murmúrios de mim
Cala meus olhos este céu polido de águas.
Sobre esses dias
Quero um lenheiro
Quero frutas nos cachos
Quero sóis, quero nevascas
Quero amplidões e desesperos saídos de gaitas
Quero as curvas das montanhas e da moça que olha-me quero o calor e o agitamento do
seu coração
Quero ventos convulsos no mar!
Que os velejadores não durmam!
Quero relvas perfumadas após a chuva e flores eternas na boca da amada
Quero a dança da morte, mas que ela demore um pouco porque ainda não sei dançar
Quero canções sangrando em minhas unhas, que o céu estrele sempre, e que o sonho
acorde-me na paz
Quero pássaros voando nos versos
Quero amigos chegando de estradas e brumas
Quero o poeta em alerta, há uma mulher esgueirando olhares entre os raios solares
Quero da terra arrancar o seu amor mais puro
Quero que os ventos por vezes não ventem
Quero perigo nos olhos e que as noites me devolvam de suas emboscadas com a doce
loucura da lua e o sangue nervoso do sol
Quero os ternos abraços da brisa enrodilhados na voz de meus passos
Quero livre passagem da vida
Quero que os caminhos se alonguem na História
Quero enrelvadas paisagens anunciando meus olhos
Quero a dúvida, a carta na manga, o sopro do jazz, o banho de areia dos pássaros na tarde
perene
Quero mais um pouco de vinho
Produzam vinho videiras de Noé!
Produzam vinho!
Quero um manuscrito com poemas perdidos
Quero avançar sobre o mar na proa do barco que vai para além dos meus olhos
Quero os azulados segredos que os astros da noite pintaram nas águas
Quero fotografias e as vozes de meus ancestrais
Quero sonhos do tamanho do mar e do céu
Quero desenrolar papiros guardados nos caminhos da América
Quero teu nome – Menina do Meio da Noite
Quero a fugaz imagem de leoa que vem de olhos esverdeados no trópico
Quero a luz que tange na aurora um risco de foice
Quero os raios solares enfeixando hemisférios
Quero o amor sendo campo florido e nascido em sementes de pão
Quero a pedra rupestre desenhada em relevo
Quero o vinco do sol na porta dos sonhos
Quero arrombar os caminhos do tempo nascido em meus passos
Quero as veredas da lua
Quero saquear do verbo as palavras secretas
Quero que não me procurem em recados, telefonemas, nem em mensagens cravadas na
tela, na lousa ou no teto
Quero barcos
Quero ventos
Quero céus atrás dos galhos do outono
Quero o delírio doce do mar e do leito de astros deitados na rede
Quero água, a doce água de lábios e rios
Quero canções sobre a mesa dos dias
Quero a lavra do frio e do vento dançante no campo azulado do mar
Quero geadas pampeanas
Quero flores nascendo na chuva das tardes
Quero a garantia da nuvem e o lanhaço do sol
Quero mãos amigas na hora da queda se a queda chegar e quedar-me
Quero falta envido e aposto tudo que tenho numa miragem desconhecida
Quero minha vida e minha vida sempre foi a grande aposta e tenho apostado tudo
Quero combater o sufoco da miragem
Quero em minhas mãos butins que não foram saqueados, os alimentos para nutrir que não
estejam em chamas ou em águas oleosas
Quero manter a dignidade e a impavidez perante o sonho desvelado dos dias
Quero confiar nas nervuras que seguram meus ossos
Quero minha força impávida
Quero palavras que fluam imensas roseiras em flor
Quero a força nascida das veias
Quero a liberdade fluindo nas gentes do mundo.
Verão na Ilha
Há um grande acontecimento no trópico
Chamem as nações amigas, a Ilha é grande o bastante
Ninguém gaste forças à toa
Não pensem em outra coisa
Venham depressa
O caminho é limpo, é suave, é doce…
Temos sombras, sóis, chuvas de cascatas…
Temos o que você quer!
Venham rápido!
Não se preocupem com nada que não seja vir
Acordemos agora!
Firmemos o contrato das palavras
Se quiserem tragam seus veleiros, o mar é grande
Temos balões, parapentes, voamos com vocês para qualquer galáxia
Temos nossas próprias pesquisas interestelares
Somos um mundo novo e te amamos
Venham rápido!
Uma tarde
Brisa que caminha comigo afague esse tempo
Areias coladas em mim me levem pra longe
Águas rasgadas de ondas exalem o sal carreado nas lonjuras azuis
Maresias náufragas na praia voltem ao mar e criem palafitas mirageadas de esperança
Ventos desintegrem a cor dos versos no sopro tempestuoso da poesia
Pedras avancem contra o sol seus silêncios enrrochados nas imagens
Lua branca assombre o dia com os olhos meteóricos de tua esfera
Espumas alvas salivem nas ondas o desespero borbulhante de suas águas
Espalhem paz os rastros dessa tarde.
Concha
As águas vinham de longe
Tinham cores, tinham sal
Tinham ondas, ventanias
Tinham barcos, maresias
Sereias tinham no mar
As águas que navegava
Eram tintadas de azul
Eram verdes suas ilhas
Eram muitas suas naus
Na cava de suas ondas eram espelhos do mar
As águas que recuavam para o leito do horizonte
Levavam suas gaivotas
Suas marés
Suas torrentes
Ficava o som enconchado
Na concha de esconder mar.
Navegando
À ANÉZIA MOREIRA DA SILVEIRA
O tempo são ondas espumadas sobre os pés da manhã
Segui navegando aos sóis, às chuvas e às calmarias que vieram
Neblinas jamais ofuscaram retornos ou partidas
Ventos fortes não tombaram minha fé
Icei olhares no amor
Ancorei meus dias na paz
Atravessei oceanos para ver um sorriso que fosse
Fosse vindo aos meus braços de alegria e amor
Perdoei as chamas lançadas a mim nos caminhos maresiados
de cegueira e impiedade
Tempestades romperam velas nos caminhos do cais
Enfrentei as fúrias do mar e levei a vida a aportar todas as vezes
Costurei as velas, reparei estragos nesse barco a levar-me
Jamais privei-me de seguir a liberdade que nasceu com o dia de meus anos.
Belos versos, amigo Odilon. Parabéns pelo blog. Sucesso.
Gracias Meimei!
De 2012? Quanto tempo. Muito legal.
Olá Mariel!
O blog foi criado em 2012.
Alguns poemas foram escritos antes.
Alguns textos datam do ano de 2004. No entanto, não relaciono data nos textos.
Mário Quintana não gostava de datar nem mesmo os livros que autografava. De certo modo compartilho da ideia desse poeta alegretense.
parece uma boa providência não datar.
Por certo.
Creio que somente por necessidade.
Ocasiões especiais…
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