Uma história eurocêntrica
“NINGUÉM FOI, NINGUÉM SABE, E TODOS VIRAM”.
GONÇALVES DIAS – OS TIMBIRAS
Onde está o ouro? O diamante eterno?
Está no corpo da mulher mais bela da Europa – arrematou o velho. E depois continuou: – Brilham em suas orelhas o sangue da América, seu sorriso é uma homenagem póstuma de irreveláveis belezas, são aldeias em chamas, pirâmides ao chão, destruídas nações… Seus anéis são bateias de medo. São tiros seus olhos. Esta mulher é um pecado à parte, uma situação anunciada do belo perigo que se passa na vida.
Eis o tempo querendo arrastar-se, os olhos do mundo são vícios seus, é magia, aparição desesperada e nua loucura… É o silêncio perplexo daquele que via embarcações aportarem o canhão, os cavalos, as espadas, as roupas metálicas dos deuses… É a fúria desse mesmo silêncio, é o embate da luta para vingar-se da morte antes de morrer em seus domínios.
Quantos de nós são as volúpias dessa mulher toda púbere, coberta de sonhos, quantos de nós fomos montanhas de prata, fomos cana-de-açúcar, pau-brasil, bananeiras, tabaco, erva-mate, toneladas de ouro e prata, guano, algodão branco… Fomos sangue… Quantos de nós tivemos medo na senzala, e quantas traições houve entre irmãos para que essa mulher pudesse possuir esse cheiro que mata os homens de prazer.
Como pode o mundo amar essa mulher cheia de mentiras e desenhos perfeitos? Inacreditáveis formas do espanto de tudo que é terreno, marítimo ou mistério dos ares e dos astros. Eis essa mulher que atordoa o sono de todos os homens que amam o pecado e os que fogem dele. Essa mulher veste a carícia da América meus irmãos. Esta mulher é dona de ocas montanhas, de estradas seculares por onde passaram os lhamas carregados com as mais belas riquezas, ornatos criados pelas mãos ameríndias, coisas belas meus irmãos, coisas belas da América…
Esta mulher é tifo, malária, é cruz desenhada nas velas e nas almas, é um pouco de minha dor, disse o velho.
Perfeito.
Uma palavra muito bonita essa. Grato pelo comentário.