Quero um lenheiro
Quero frutas nos cachos
Quero sóis, quero nevascas
Quero amplidões e desesperos saídos de gaitas
Quero as curvas das montanhas e da moça que olha-me
quero o calor e o agitamento do seu coração
Quero ventos convulsos no mar!
Que os velejadores não durmam!
Quero relvas perfumadas após a chuva e
flores eternas na boca da amada
Quero a dança da morte, mas que ela demore
um pouco porque ainda não sei dançar
Quero canções saindo em minhas unhas,
que o céu estrele sempre, e que o sonho acorde-me na paz
Quero pássaros voando nos versos
Quero amigos chegando de estradas e brumas
Quero o poeta em alerta, há uma mulher esgueirando
olhares entre os raios solares
Quero da terra arrancar o seu amor mais puro
Quero que os ventos por vezes não ventem
Quero perigo nos olhos e que as noites me devolvam de
suas emboscadas com a doce loucura da lua e o sangue nervoso do sol
Quero os ternos abraços da brisa enrodilhados na voz de meus passos
Quero livre passagem da vida
Quero que os caminhos se alonguem na História
Quero enrelvadas paisagens anunciando meus olhos
Quero a dúvida, a carta na manga, o sopro do jazz,
o banho de areia dos pássaros na tarde perene
Quero mais um pouco de vinho
Produzam vinho videiras de Noé!
Produzam vinho!
Quero um manuscrito com poemas perdidos
Quero avançar sobre o mar na proa do barco
que vai para além dos meus olhos
Quero os azulados segredos que os astros
da noite pintaram nas águas
Quero fotografias e as vozes de meus ancestrais
Quero sonhos do tamanho do mar e do céu
Quero desenrolar papiros guardados nos caminhos da América
Quero teu nome – Menina do Meio da Noite
Quero a fugaz imagem de leoa que vem de
olhos esverdeados no trópico
Quero a luz que tange na aurora um risco de foice
Quero os raios solares enfeixando hemisférios
Quero o amor sendo campo florido e nascido em sementes de pão
Quero a pedra rupestre desenhada em relevo
Quero o vinco do sol na porta dos sonhos
Quero arrombar os caminhos do tempo nascido em meus passos
Quero as veredas da lua
Quero saquear do verbo as palavras secretas
Quero que não me procurem em recados, telefonemas,
nem em mensagens cravadas na tela, na lousa ou no teto
Quero barcos
Quero ventos
Quero céus atrás dos galhos do outono
Quero o delírio doce do mar e do leito de astros deitados na rede
Quero água, a doce água de lábios e rios
Quero canções sobre a mesa dos dias
Quero a lavra do frio e do vento dançante no campo azulado do mar
Quero geadas pampeanas
Quero flores nascendo na chuva das tardes
Quero a garantia da nuvem e o lanhaço do sol
Quero mãos amigas na hora da queda se a queda chegar e quedar-me
Quero falta envido e aposto tudo que tenho numa miragem desconhecida
Quero minha vida e minha vida sempre foi a grande aposta
e tenho apostado tudo
Quero combater o sufoco da miragem
Quero em minhas mãos butins que não foram saqueados,
alimentos para nutrir que não estejam em chamas ou em águas oleosas
Quero manter a dignidade e a impavidez perante o sonho desvelado dos dias
Quero confiar nas nervuras que seguram meus ossos
Quero minha força impávida
Quero palavras que fluam imensas roseiras em flor
Quero a força nascida das veias
Quero a liberdade fluindo nas gentes do mundo.
Quero, quero, quero…
Olá Caobe!
Poema de muitas luas, cujos “queros”, muitos deles estou vivendo agora.
Grato pela presença.
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Grato pela republicação!