América Latina
AOS LATINOS AMERICANOS.
O que fizeram teus deuses?
Enganaram-te?
América, raízes cortadas em espadas de pólvora
Ha! Verdes florestas plantadas de soja e mugidos de bois
Rios de mercúrio, areias, desertos de sal…
Na tua carne brotam os sepulcros de milenares indígenas
O grito de Sepé, a arte revolucionária de Sandino, Martí, Marighella, Juana Azurduy…
Tuas centenas de línguas assassinadas
A cerração cerrada em tuas montanhas de prata arrancadas pelas mãos do filho forçado em
miragem de fome
Teus oceanos abertos à sina da bandeira encaveirada
Coberto teu solo por milhões de fantasmas
Teus domínios roubados pelos deuses do teu sonho antecederam tua revolta
Onde estarão teus filhos senão mostrando a face ao verdugo?
Às misérias nascidas do asco europeu e ianque
Teus sambaquis não se renovam…
Tua imagem se revela solitária ao espelho Titicaca
Teus quilombolas sobem morros, e cercados de fúria e medo se sustentam com fuzis
apontados para o Mar da Guanabara
Teus camponeses lavram sanhas de fome em sesmarias tomadas por enclaves e solidões de
pampa
Levaram teu guano, o salitre, teu cobre, profanaram teu corpo, teu túmulo…
Escravizaram teus filhos
Os nomes da África moldaram nos ferros!
Trouxeram seus corpos e banzos os deixaram ao chicote da loucura
Sonha tua liberdade América!
Nas Chiapas a terra orvalhada em mais um dia!
Dançam com o corpo pintado no Araguaia, no Amazonas quimeram fogueiras, no
Putumaio acolhem o doce.
Voa nos olhos do puma ligeiro o aviso, em venenos de flechas o abraço da guerra acolhe
invasores
Teus tambores ecoam
A cor antiga da tua liberdade voa nas asas do condor
A marca de uma mão ensanguentada veio a ti oferecendo a morte vestida de batinas e
canhões.
Cordilheiras de neve debruçam tua face em teu seio de águas rubras de sangue, negras de
mangue, amarelas de ouro, cristalinas de pureza e prata.
Açoites em tua pele coroada de selvas
Andes, Antilhas, Galápagos…
Trópico e geleiras coabitando desertos, caatingas, campos, pedras que se elevam ao cume
do Aconcágua
O grito da fauna, o marulhar das águas, as vozes das ruas cheias de sol das tuas metrópoles
O sonho roubado da tua pele carcomida em lamentos
Os meteoros de máquinas a roer o teu seio
Terra do Fogo!
Cavernas de antigos caçadores patagônios, paraíso de gelo e pedras
Árvore que cai aos meus olhos…
Caríssima América!
Te tenho pura em meus braços de amor.
Calicute
Olhe cara, nunca vá até
o fundo!
Estamos podres demais para irmos ao fundo.
De qualquer natureza, qualquer estilhaço
Brisa do mar, galeão português
Avança a chuva!
Um raio espanca uma ilha.
Caiu a pena de Caminha.
Caiu chumbo.
Calicute! Oh Calicute!
Quem terá massacrado
Teu coração, cuja alcunha seja aquele que agrada?
Ganância? Estupidez? Choro ou riso?
Calicute!
Céu oriental de seus marujos.
Comércio e guerra.
Loucuras, meus amigos!
Traição! Sangue, ouro, especiarias.
Quantos se dissolveram nesses mares?
Velozes velas fugazes e rapaces
Insana cruz que afunilou o mundo.
Bendita miscigenação da humanidade.
Caminhos do Hermenegildo
PARA HOMERO SUAYA VASQUES RODRIGUES.
“Escribir no significa convertir lo real em palabras sino hacer que la palabra sea real”.
(Gabriel Garcia Márquez – Cien Años de Soledad)
Ondas do sul vislumbram o preciso mergulho de mil incertezas
Gaivota desliza em meus sonhos seu voo de neve
Marisco esconde na areia um segredo profano
Dos Juncos houve um silêncio que emana de mim
Acácias enraízam meus verbos ao longo das horas
Tramandaí suspira um alívio no som de uma concha
Pinhal lapida suas árvores em vento arredio de maio a setembro
Atlântica seduz navegantes nas águas que trazem versos à costa de uma poesia
Cassino joga minha sorte ao léu de uma onda rolada em espumas
Rainha do Mar protege seus filhos de um possível naufrágio em águas bravias
Capão da Canoa navega minha sombra na busca de nadas
Laranjal deitei meu sossego na rede dos dias de um pouso finito
Chuí desenreda o desejo de um abraço fraterno levado comigo
Dunas desenha miragens de visão indistinta na flor de um hibisco
Vento Sul desfolha minhas pálpebras em mar violento
Maravilha estende estrelas azuis no cimo das noites
Valverde oferta butiás às sereias amantes de algum pescador
Cálido Verão banha em areias o corpo dos pássaros
Areal afunda em mistérios o meu pensamento entregue aos ventos
Bem Querência aguarda a chegada dos filhos que foram para outro verão
Mar da Tranqüilidade é mulher sussurrando um amor impossível
Riacho deságua suas águas de branda corrente em sedento Netuno
Estrela Dalva alerta os amantes para outro começo em breve alvorada
Brisa serena dias e noites flutuando à esmo um carinho invisível
São Luís espraia enredos de luzes esparsas pintando telhados de cinza nevoento
Caracol anuncia meus ventos guardados nos anos de incríveis marulhos
Maresia salpica na pele o cimento do tempo que as águas levaram
Sol acentua sua força ao crestar uma vida amparada ao relento
Cruzeiro do Sul horizontes se perdem no fio do infinito
Em Lembrança areias injustas queimam papiros na sola dos pés
Bagre evola na alma o desejo da volta daquele que vai além das marés
Marinheiros ao Largo bebe calada um degredo sem volta
A Lua me sofre ao saber que me vou sem ter o seu beijo
Saudade marca em seu dorso os passos que vão para outros destinos
Vento Norte caminha comigo em rumo do fim
Nas ruas sem nome evoco a vontade de nunca partir.
Capitalismo
Olá Sr. Quépital!
Vou chamar-lhe assim para sarrear um pouco
Tenho coisas a dizer-lhe nesse poema
Coisas que não irão doer em você porque você não dói não é mesmo?
Sabe Sr. Quépital!
Tem umas pessoas morrendo em algumas guerras feitas por você
As armas não podem ficar velhas não é mesmo?
Tem uns planetas esperançosos que você lá não consiga chegar para fazer o que bem
entenda Sr Quépital
Seus astronautas não aguentam mais suas pílulas e farão greve bem ali naquela bazesinha
que você divide com os russos e os asiáticos
O mundo existe para você Sr. Quépital?
Suas estradas cheias de fumaça e sangue logo irão parar não é mesmo?
Eu rirei quando teus súditos tiverem de empurrar os automóveis até os postos de gasolina
e não encontrarem nenhuma gota
Quantas cartas você tem na manga Sr. Quépital?
Quantos motores a biodiesel suas fábricas farão em 24 horas?
Você sabe como não morrer Sr. Quépital?
As terras já não são tão férteis você sabe
A muito do seu veneno esterilizando o mundo Sr. Quépital
Escorrem para os rios e os peixes que não morrem você serve para seus criados nos
palácios do mundo Sr. Quépital
Você está ficando louco não é mesmo?
Ha! Mas há mais terras no terceiro mundo
É só derrubar umas árvores, construir umas hidroelétricas, afogar a fauna, criar mais
algumas fábricas e jogar o lixo ali mesmo
Quem se importa Sr. Quépital?
Sabe, há uns homens por cima do lodo que não aguentam mais Sr. Quépital
Eles não comem em sua mesa com os banqueiros, petroleiros e demais senhores da guerra
Eles querem sua carne Sr. Quépital!
Eles irão conquistar sua filha só para enganá-la
Não há mais amor Sr. Quépital!
Você tirou o tempo dos amantes, ninguém mais sabe amar Sr. Quépital!
Não há tempo para o amor, os despertadores não param
Aqui onde moro não tem pão amanhecido Sr. Quépital
Não tem farinha, nenhum tipo de cereal. Mas tem uma adaga que afio para você
Será um presente Sr. Quépital
Suas vísceras aguentariam a força de um operário?
Você se esconde demais Sr. Quépital
Não adianta blindar essa carinha de bom moço e trezentos dentes
Você pode cair Sr. Quépital!
E quando acontecer irá cair mal Sr. Quépital
Se você fosse um capoeira poderia cair bem, mas não é
E você sabe que fera caída é comida de outras feras Sr. Quépital
E há muita fome nesse império em ruínas
Há muita fome. E não é só de estômago!
É uma fome de quem não aguenta mais Sr. Quépital
Você está tranqüilo aí na Casa Branca, em Hong Kong, onde mais Sr. Quépital?
Há! Enganei-me, hoje fora à Estocolmo receber o Nobel Sr. Quépital
Ontem assinou um tratado para acabar uma guerra
Gastou suas armas velhas não é?
E aquelas etnias que estavam ali?
E aquelas bibliotecas?
Por acaso não tinham umas culturas ali Sr. Quépital?
Ha! Tem um buraco, é o que consegue ver de sua luneta Sr. Quépital
Você sempre reconstrói tudo não é mesmo?
Investimentos, empréstimos, bancarrotas do outro…
Como você gosta disso não é mesmo Sr. Quépital?
Seu alimento vai acabar Sr. Quépital
Há muita gente sabendo
Sabe gentes Sr. Quépital
Há muita informação por aí
Você não conseguirá chegar a Marte sem destruir a Terra Sr. Quépital?
Você não merece nenhuma estrela Sr. Quépital
Nem aquele soldado que está morrendo merece uma estrela, ele quer mesmo é um cigarro
feito por você Sr. Quépital
Para que honrarias se ele quer um cigarro
Um cigarretes para duas tragadas Sr. Quépital
Mande depois uma estrelinha para a mãe dele lá no Arizona e uma bandeira listrada Sr.
Quépital
Ele morreu buscando a paz não é mesmo?
Você não inova Sr. Quépital, tem gentes por aí manjando seu tipinho e eles sabem dar
rasteira Sr. Quépital
Sabe, eles tem uma adaga que afiam para você
Mas não precisa ter medo, não por agora
Eles estão descascando laranjas Sr. Quépital
Mas não são daquelas envenenadas que você conhece
Mas quando conhecê-las Sr. Quépital, estarás morto.
Não terás carne para tanta adaga Sr. Quépital.
Das veias abertas
Estamos nas tuas palavras
Somos um pensamento que habita, fustiga, encobre
o solo das desesperanças
Somos os cabelos perfumados da noite
O desentrave dos escombros jogados à lua
À escura lua
Somos loucos meteoros vagando à nuvem de suas
imensas loucuras
Somos o pão que deixa morrer seus deuses
Não alimentamos mentiras!
Somos o magma denso endurecendo sua face
O medo para sempre que carregas em sua fuga
Somos os que não morrem
Somos os que seguem lapidando a paz e a esperança
dentro da tua carne de sangue.
Do nosso sangue
Andamos nos caminhos vendo flores morenas
Os olhares dos milênios no sangue da América
Somos o desenho riscado ao luar da esperança
Atravessamos as brisas, os dias de sol…
Batemos sempre forte por livres amanhãs
Não perdoamos os que deixaram abatidos nossos
antigos irmãos que diziam que a terra não havia de
ser vendida
Que não se renderam e deixaram a vida
Deixaram a luta para que outras mãos empunhassem a lança
A lança da revolta e da justiça
Do dia trevoso e sem deuses
Porque eles não vieram?
Se gostavam de sangue porque não vieram?
Seguimos com o nosso, nossa força
Estamos aqui!
Temos outros que são pequenos
Estes acariciamos e damos vida, para que
perpetue a paz nos passos que damos
E não seremos silêncio
Bravos seguimos.
Quilombo dos Palmares
PARA DONA LURDES.
Naquele ano de 1630 os escravos fugidos dos cativeiros ergueram
um quilombo
A opressão pintava com sangue
Ardia o ódio das vozes doridas
O senhor e o escravo
O reduto da luta, a maior delas:
O Quilombo dos Palmares!
Milhares de negros aldeados nessa parte da África
Nesse solo de além mar
De Alagoas à Pernambuco liberdade zumbizando no ar
Aqui onde a palmeira Pindoba é rainha e Zumbi é rei não se foge
do capitão do mato
Não embrenha-se na mata com a esperança de ser livre
Aqui o estalo do açoite não diz: morre maldito!
Aqui se resiste!
Nesse território não se morre fácil
O Quilombo é nosso!
Não tem senhor de engenho dizendo:
Dou-lhes farinha e carne seca
Toma um gole de cachaça e esquece tua dor insana
Deita-te no chão e esmorece, mas não sonha
Sonhar é proibido para ti peça feia e magra
Temos frutas na tropical paisagem
Caça, peixes, solo fértil
Argila para a cerâmica
Rapadura, aguardente
Feijão, batata- doce, mandioca
Somos milhares: dez mil, vinte mil, trinta mil, não sei…
Estas casas primitivas cobertas de folhas de palmeira
Paliçadas duplas de madeira
Estes homens da Guiné…
Mestiços, indígenas espalham-se por sessenta léguas
Todos eles com sua fé e ninguém rouba senão morre
São tradições africanas
Coisas que se falam de padrões e normas éticas
O território Palmarino não tem ordem lusitana
Corre, corre quem vem lá?
Sou fugido, quero paz, posso entrar nesse quilombo?
Pode sim! Aqui o amor à liberdade por 65 anos espantou o inimigo
Fizemos deles enxovalho
A nós pagavam tributos esses malditos senhores
De nós compravam alimentos esses mascates
Em troca davam-nos armas e esporro
Somos heterogêneos
Estão aí as mais variadas nações africanas
Algumas culturas da costa guineana, o catolicismo popular
Às vezes algum jagunço cai nas armadilhas do mato
Incursões policiais reconduzem outros à senzala
Ateiam fogo às choças
Os levam confiscados pra Recife
Esta regra desde 1669 existe por Bernardo Enriques, governador
dos mais patifes dessa tal capitania
Mas depois deles vieram outros e mais outros
Num certo tempo vieram mil de uma só vez
Foram expedições inúmeras
Algozes militares ou não
Todos eles reles!
Cristóvão Lins, Capitão André da Rocha, Manuel Lopes…
Eram todos repelidos na guerra de guerrilha
O movimento quilombola toda hora se mudava toda hora se partia
De repente pararam numa trégua
Custos de guerra deixaram em paz o grande e forte Ganga-Zumba
Palmares respirava
Fizeram um acordo
Delimitaram áreas para se viver em liberdade
Se é que se vive livre nessa terra
Tomaram suas armas
Ganga-Zumba envenenado morrera
Prenderam João Mulato, Canhonga…
Como os sonhos de Zumbi também prenderam
Liberdade é difícil eu bem sei
Queriam rendição?
Nova trégua?
Queriam o fim do quilombo?
Sempre quiseram e Palmares resistia
Um ataque final precedia
O que seria? O que seria?
Sertanismo de contrato
Capitulações das mais frias
Jorge Velho fez acordos com o marquês de Montebelo
Perdão para crimes, isenção de impostos, munições e armas
Tudo isso e muito mais naquela trama havia
Marcharam galhardamente para serem rechaçados estes
malditos vilões
Eram índios, eram brancos
Matando a negros e índios
Eram homens, eram homens
22 dias de cerco, chegavam lentos, tantos e tantos
Era o ano de 1694
A noite tomada de medo
Tomada de negros
A noite toda negra espreitava a retirada dos pretos
Zumbi fugia dia 6 de fevereiro
Foi um devaneio, um impulso, não sei…
Pelo quilombo foram morrendo, caindo feridos, sendo aprisionados,
fugindo…
Fugindo de novo?
Para onde? Para onde?
Pelo quilombo sangue negro cor da noite latejando gemidos
Ó África! Ó África!
Estas marcas que carrego é de ferro quente
Estes olhos negros são filhos teus ó continente
Por favor, me salva, me redime
Zumbi nosso rei morreu
Decapitaram-no e sua cabeça espetaram na praça principal de Recife
À vista de todos descarnando
Por favor, me salva dessas mãos ordinárias ó África
Me leva com você ao meu poente
Estão queimando tudo
Morte aos brancos estes lusos senhores!
Ainda lembro uma tarde mansa
Os pequenos brincavam
As mulheres cantavam
Depois lágrimas molharam este chão de mil estrelas
Numa noite de horrores
Rostos negros de horror e sangue!
Um mito, um homem…
Para estes que fugiam do martírio infindo
Eis um poema do tamanho da África.
Escadas para um lugar sem rumo
PARA WILLIAM RIBEIRO SANTOS.
Quantos séculos morreram na história?
Quanto sangue expirado nas guerras e na breve morte
Os estrépitos das fogueiras, das forcas, das guerras…
Quantos foram lapidados pelas lâminas num último silêncio?
Quanta fúria delineada pelos homens
Quantos morreram de sede fugindo da raiva no horizonte de mil poemas,
sob o sol e o caos de mil deuses
Em cima do mundo mais e mais escombros no suor de escravos famintos,
delirantes, que são os próprios demônios de si mesmo
Todo caos das armas do céu em raios e tufões vagam no espaço das mais tristes canções
Quantas fórmulas para entender a doidivana alma humana daqueles que carregam o
brasão da idolatria
Tantos sacrifícios a repetir-se na insanidade do tempo
A extinção de tantos povos que se elevam como último resquício na miscigenação de
tantas eras caladas no sangue de mil culturas
Até onde vai a árvore a produzir frutos antes do raio, antes do tempo e antes mesmo da
semente plantada nos mistérios
Minha cútis não corresponde à minha genética
Qual confusão de átomos deu-me a forma de homem nascido na aldeia próxima ao rio
de pedregulhos?
Que horizontes veremos na pólvora dos instintos caídos na marcha de obstáculos
pintados de indiferença, ódio e gosto de morte
Ah! Porque tanta raiva no voo das flechas a rasgar minha herança
Porque o eterno pesadelo gritante de dogmas ultrapassados cobertos de limo e ferrugem
Porque tanto gelo no universo das almas
Porque minha vida não para no intervalo do último momento.
Da Escola
AO AMIGO PIRAGIBE PAIXÃO.
Eu vejo na escola o redemoinho dos que colorem os corredores
As salas, as calçadas por onde também caminham os sonhos
Vejo o poema da vida recitado nos lábios de todos e todas
as miragens são verdades
Todas as perguntas querem ser e respostas encontramos nos olhos do outro
Buscamos por sábios nos livros, no continuum…
Criamos saberes, atitudes, mas somos cheios de fomes
Famintos navegamos à orla das bibliotecas, dos escribas, dos que mais viveram…
Ondas de livros, mapas, interdisciplinares caminhos…
Professores, comunidades, sonhos…
Eu vejo a História recitando poemas, incitando críticas…
A Geografia apontando nos mapas coisas do espaço, dos homens que somos
A Literatura discorrendo versos, desde o primeiro ao que fizermos agora
A Matemática buscando demonstrações de tudo que foi estudado
A Química compartilhando segredos das mais nobres alquimias
A Biologia adentrando florestas, rios, cantos de pássaros, sementes nascidas
As Artes dialogando objetos talhados na imagem do belo
A Filosofia buscando pensares no fogo da vida
A Sociologia migrando conceitos
A Física captando nos corpos a voz da matéria
Somos átomos falantes
Temos sentidos e voamos nas máquinas com fé nas estrelas
Falamos o português, somos filhos do Latim, irmãos de muitas línguas
E muitas línguas extinguimos, estas uivam pelo vento como
lobos nascidos da América e mortos na América
Somos ainda magma vivo, compartilhamos amor e somos polens dispersos
Somos a realidade e cremos no que nos inspira o aroma dos dias.
Invocação da utopia
PARA MARÍLIA MACHADO.
Marília! Marília! Veja só
As fábricas fecharam as portas
Lacraram suas máquinas
Os bancos estão em chamas Marília
Dinamitaram as estátuas
Os símbolos vivos auto degredaram-se para o Ártico
Irão comer gelo Marília!
Os porta-aviões estão naufragando
Petroleiros atracam nos portos, todos vazios Marília
Os cinemas são drive-ins imensos de desertos
Nas lanchonetes não há mais hormônios Marília
Os presidiários saíram às ruas receber paz
O Nobel da paz!
Tem índios na Av. Osvaldo Aranha Marília
São poetas incríveis saídos de lendas
Antigas línguas na roda de samba lá na vila
A África esta sambando Marília
Apartheid é palavra de dicionário
Dicionário velho Marília
Agora tem comida adequada para todos
Não tem mais policiamento, nenhuma farda Marília
Ah! E todo mundo jura que um homem bondoso foi visita nos lares
Em todo o mundo Marília!
No Oriente e no Ocidente
Visitas noturnas
Todos sonharam Marília
Com diferença de fuso e tudo
Não há mais Impérios Marília
Você me pergunta por quê?
Cortaram o fio errado Marília.
Cortaram o fio errado…
Nesse poema
Tenho nesse poema guerras, civilizações, tratados
Tenho nesse poema demônios, subúrbios, luas, uivos…
Tenho nesse poema sentidos, estrelas, naturezas noturnas
Tenho nesse poema desenhos, estradas, montanhas, fêmeas alucinadas
Tenho nesse poema desertos, catástrofes, lavas de fogo
Tenho nesse poema fervor de neblinas, fronteiras em caos,
baías em pânico, bombas e flores
Tenho nesse poema cavacos de alma, insanos perigos, silêncios de mim.
A5
Em que mares a paisagem assume fragmento?
Em que árvore veloz pássaros não pousam?
Aqui colhemos canções em seca árvore nascida à
margem dos sonhos
Laminamos o estranho, inocentamos a pedra
No antiverso das amuradas guardamos o risco grungeado das horas
Em gases aprisionados elevamos palavras mensageiras do esmo
Desiluminamos luzes sobre a cidade
Ânforas anunciam navios que não aportam e não partem
Fumaças desprendem imagens lançadas de guerras e amores
E a dança, as chamas, o círculo incinerando o vídeo
A mosca mecânica parasitando a sanha camponesa
O vermelho tingindo com sangue a palavra
O imóvel sendo tinta, som, desejo longínquo, fotografia calada
Passos congestionando o sonoro das ruas
O silêncio assumindo as ondas do rádio
Um cego ciclope guardando o absconso homem
Tapumes inanimados querendo sair à rua e gritar
Astear a bandeira real na cara da vida
Arrimar a arte fraturada e exposta
A memória na imagem, a palavra na voz, o grito na escuta.
Wall Street
PARA O POETA JEFERSON TENÓRIO.
Tam, tam, tam!
Tocou a campainha, começou o jogo dos trilhões.
Aqui compramos tudo!
Isto quer dizer você que acha ser invendável
Achas?
Tens aí banho quente e nervos em órbita?
Os dados estão rolando para você
Quem irá sofrer após as carimbadas?
Ninguém quer perder uma tarde sem resultados desejados
Os trilhões estão dançando
Queres um exemplo?
A princesa deixará o seu palácio
Ela está pobre, sem apólices os súditos não podem amá-la
O amor é ganância, é a caixa forte do tio Patinhas
Ficamos obcecados pela avareza, podemos ser maiores que o Big Bang!
Vamos nascer de novo todas as galáxias
Aqui tenho a maquete desse novo universo borbulhando na taça de champanhe
Eu tenho todas as garrafas!
Queres brindar comigo?
Pare já o que estás fazendo!
Alguém terminará o trabalho, sempre há um novo jóquei assumindo os riscos
O que importa é a platéia, todos os lugares lotados e nenhum dividendo
Repassem as perdas!
O pouco que sei de matemática quebraria você, seus pedaços seriam estrelas
Consegues ver as estrelas espalhadas no cosmos?
Eu tenho um plano para você…
Teremos que passar esse caminho juntos
Eles, os meus amigos donos do ouro, das máquinas, do livre mercado…
Eles não querem criar nada além de cédulas
Fica bom assim ou você quer sofrer como aquele homem?
Aquele homem ali!
Ele está sofrendo!
Não consegue dormir aquele homem
Não é por falta de sono, nem cansaço
Isso ele tem muito!
Mas o coração que ele carrega é desvairado
Vive olhando para abismos aquele homem
E seu coração é um martelo que não cessa de bater em seu peito
Logo suas costelas serão trincadas pela aflição
Como vamos comprar aquele homem?
Temos de por um sorriso naquela boca
Há muitas securas naqueles lábios
Como vamos salvá-lo?
Temos de fazê-lo dormir
Senhora secretária cancele a cafeína daquele homem!
Digam à sua consciência para que não fume
A consciência desse homem está valendo uma fortuna
Cuide muito bem senhora secretária para que ninguém seja insincero com este homem
Avise a moça da padaria para ser cordial com ele
Que o açougueiro não trapaceie o estômago desse homem
Que o gás seja entregue sem demora, cuide muito bem desse detalhe senhora secretária!
Ah! E que seus amigos estejam à par de tudo viu senhora secretária
Não quero que produzam a tristeza nesse homem
Está acabando o tempo senhora secretária
Avise lá os executivos
Vendam tudo antes da baixa!
Atentem aos índices!
Precisamos faturar muito para salvar este homem
Ele está perdido senhora secretária
Como o faremos dormir?
Quem sabe dizemos a ele que a ganância não é o amor
Que o amor é amor puramente e não pode ser comprado
Mas senhora secretária não descuide-se
Volte e diga-me que aquele homem dormiu
Vá que ele resolva escrever coisas sobre a história…
Aquela que não queremos que nenhum alguém saiba
Sim. É preciso que o façamos dormir
Diga a seus vizinhos para oferecerem coisas que o acalmem senhora secretária
Falta de sono é um perigo
Põem dor nos olhos e lampejos tormentosos no pensar
Faça que sua miragem seja muito real senhora secretária
Dê-lhe um espelho que dorme
Uma música para o sonho nascido do sono
Faça o impossível senhora secretária
Ninguém sabe como a ilusão é real
Mas esse homem precisa dormir
Ele está muito cansado senhora secretária.
Rincão das Ilhas
AOS QUE FICARAM SOB O CHÃO, ACIMA DO CHÃO E FORA DO CHÃO.
A minha terra
Aquela terra onde caminhei nascendo
Aquela terra é um caminho habitando no mesmo lugar de onde saí nascendo
O que morreu ali são noites funéreas em minha alma
São os ossos do gado que ressecou sob a seca ao duelo do tempo
São as velhas casas que conheci taperas
Os nomes de quem as ergueram, de quem nelas moraram
De quem correu comigo pelo campo e hoje não sei onde, hoje não sei eu
As coxilhas tão verdes de campo, de trigo, chapéus de palha de trigo, de estômagos de trigo
Milharais, caturritas e sóis esverdeando
E sóis esturricando a carne camponesa e a memória de quem era memória quando fui
nascendo
Seus cavalos relinchando na noite
Correndo nos campos, nas canchas de ir pra frente nos campos
Os atalhos que fecharam-se por não haver passos minha terra
As suas cancelas ainda rangem minha memória que vai nascendo
Tenho vozes, sombras, pessoas que foram ao meu lado cavalgando em corredores que não
mais existem e agora são amigos que se foram
Vejo ainda minha terra a cor do sol relampeando nas facas dos que peleavam por farra no
final das suas tardes
Os goles de canha afogando seu sol
E vultos que meus olhos não trazem minha terra
Sei que existiram, ouvi cruzando na noite e iam ao passo num trotar de dar medo
Minha terra eu sou o seu silêncio, as pedras do seu rio, as árvores ancoradas da enchente
O golpear de um dourado que veio na linha me nascendo feliz
Os banhos de sanga, as vacas de leite, o alvoroço das manhãs na bicharada das casas
A poeira vermelha das suas estradas
Os berros do gado num fundo de campo
Um homem charqueando num varal de setembro
Aquelas casas de barro, chão batido e lenheiros com cheiro de paz
Os pêssegos das suas taperas na volta do rio amoado da águas
E quantas gentes nascidas de vós se foram pros ondes
E quantos ficaram palanquendo sua lavra me nascendo de longe.
CARTA À ERNESTO MIGUEL LUZARDO DE SOUZA
Quando nascestes a lua minguava no espaço, a grama estava seca no sul da América, o tempo marcava 2005 anos d.C, no limiar da aurora do instante em que fostes nascido para a vida aninhava-se o teu sonho na morfogênese ancestral de nossa origem.
Há milhares de anos os humanos caminham sobre a Terra, não sabemos desde quando exatamente, entretanto este humano aprendeu a gravar seus pensamentos através da escrita, faz parte da natureza, busca adaptar-se àquilo que o cerca e assim se recria, como assim se recriam também as outras milhares de espécies que coabitam a Terra e têm sob o sol seus desenhos de vida na passagem dos dias. Guardamos uma reminiscência no tempo que leva a explicar nossa origem, embora a História da Civilização Humana seja uma constante busca de fatos, os mesmos são vistos sobre o impacto da dúvida e duvidar é preciso.
Para compreender o “homem” caro Miguelito, devemos visualizar uma ancestral fogueira, lá onde as narrativas mais impressionantes contavam lendas, experiências de caçadas, as primeiras histórias. Mas estórias também existem meu caro, e exigem métodos especiais de transmiti-las de pai para filho, de gente para gentes. Todavia os humanos desenvolveram pensamento e linguagem para explicar o que os cerca, tentando definir-se criam suas teorias e ideologias na tentativa constante de entender o mundo e usando as mesmas para sobrepor aos semelhantes muitas vezes coisas avessas ao amor, palavra à qual em seu significado relaciona o fundamento da vida.
Desde o domínio do fogo à domesticação dos animais e vegetais o “homem” inventa novas técnicas e tenta perceber o lugar que ocupa em meio à natureza, geralmente ignora tal percepção, percorre destruindo o que serve para recriá-lo e desdenha de tudo, inclusive do espelho.
Através dos mitos que os humanos inventaram para dar um sentido ao universo e a vida, plantou-se também o pensamento racional que logo passaria a representar o universo como cosmos e disso tudo abstrai filosofias e poesias numa teimosa insistência de viver mais um dia para ver o que há e perguntar-se à todo momento. Eis um mundo estranho que irás descobrir em teus sentidos tão logo as estações forem passando pelos teus braços e teus sentidos forem ensinando-lhe. Descortinar-se-ão teus sonhos para os dias, dirão os loucos e os livros, que a História que foi contada por papagaios deu ao Novo Mundo os anos da escravidão que viaja pelos séculos na “contemporaneidade dos homens”.
Eis que depois da difusão dos primeiros grupos humanos instituiu-se a invenção subordinativa da guerra, esta nos dias atuais mantém grandes frações do planeta no invólucro das ações mais cruentas das potencialidades humanas. Se tal violência te impressionar poderá ignorá-la, mas aconselho-te a revoltar-se. Tuas lágrimas e teu suor serão teu espírito livre caro irmão. Aproveita a colher frutos das árvores dos caminhos, assim intenso delírio enaltecerá o tempo como os ventos que criam fendas no inverossímil. Lembre-se, relâmpagos são os momentos mais caros a tocar teus instantes e eles também trarão sombras.
Comecei a escrever esta quando tu nasceste, terminei hoje 30-03-2009, às 17:39 hs. Lá fora é outono. E hoje sei que não conseguirei terminá-la e irei inserindo e reescrevendo o que nada sei caríssimo menino. Só por teimosia de viver mais um dia.
De quando vou por ir
POR ONDE LEVARIA VOCÊ Ó POESIA.
Então fomos para Berlim
Navegar no Havel, ver palpitar a flor sob o muro da ausência
Levamos a cor dos olhos de Olga na marcha que ia pranteando na noite um trem sem
janelas, nem portas, nem volta
E fomos a Moscou buscar no róseo seio os segredos vermelhos
As chamas ardentes nascendo dos lagos da Praça Vermelha
E os lagos eram gentes saídas da foice, da fome e do medo
Em Nagasaki fomos
Saímos da espada dourada do sol do Japão enfumaçados de urânio
Fomos o grito obscuro da noite desnuda na Ilha
Os olhos da fome nas garras da águia
Fomos à Babilônia
Ver os jardins, ver a beleza, nem tronos nem deuses
A terra foi lavrada e nascem gentes, trigo e flores que dançam ao vento de outubro
Fomos à Porto Alegre
Vimos as águas do lago ferverem no sol que se esconde num hálito de luz que também se
perdeu
E seguimos pelas retas ruas do não saber para onde
Do não saber onde entrar e pedir algo que caiba em mais uma ausência
Em Montevidéu fomos
Aportamos no porto prateados das escurezas do Mar de la Plata
Bebemos a brisa olhando suas águas beijadas de inverno e não muito longe se ouvia num
tango o nascer de um amor começado nas docas
Fomos ao Serengueti
Em meio à planície deitada na terra africana
Sem medo das feras ouvidas no largo deitamos ao sol e vimos as estrelas da noite profunda
fincadas no dia com as cores da lua
Então viajamos à Ulan Bator
Movemos iurtas e deslocamos a cidade à outro tempo
Caminhamos a Mongólia pela terra e fomos com ela através e através…
Vimos no plano da estepe um arqueiro olhando horizontes, ora parava, ora seguia, ora
bebia num odre as miradas de Khan
Fomos à Pequim
Plantamos arrozais ao loess escavado em montanha nas terras chinesas
Amuralhados numa torre esperamos o galope dos arqueiros ventados por lobos
Além erguiam-se olhos dragoneados numa seda vermelha, avançava no mar a cidade
flutuando na busca das águas com terra e vozes sem fim
E por mais navegado o Mar da China viu queimando em suas águas um mundo que ia
pintando em vermelho ancorar-se na morte azulada de lama ao fundo do mar
Em New Orleans fomos
Inebriados pelo blues do Mississipi apanhamos algodão
Tintamos sangue nas cordas da guitarra e fomos a luz da liberdade caminhada numa
estrada sem caronas
Fomos à Lisboa
Sentamos ao pé da estátua de Pessoa e vimos o mundo com ele
Bebemos vinho junto ao Tejo e falamos do tempo
Depois voltamos navegados de terras distantes com porões abarrotados de injustiças
A Uluru fomos
Nas areias da Austrália nômades caminharam em nossos passos
E com nós carregaram a Pedra Sagrada como um templo móvel nas areias
Fomos aos gelos do mundo
Conhecemos o fogo que arde sem chamas, petrificamos as mãos e olhamos nos olhos
palavras escritas desenhadas na neve.
Imagem rupestre
Ranhura intrépida da pedra
Desenho calcado em lanhaços do tempo…
Saio dos olhos nos traços da pedra
Vou a navegar no espaço azul a sensação da tua imagem
Que mãos fizeram a arte nestas pedras?
Que me dizes dos séculos?
Que me dizes dos sóis que lanharam tua imagem?
Quantos céus vergastaram a planura da tua face de pedra?
Que tempestades carnearam teu corpo em silêncio?
Que histórias me trazes nesse índex de pedra?
Que palavras desenham tua voz ensimesmada de pedra?
Veio enrochado nas pedras o que és e o que sou além da tua imagem?
Que importa à ti desenho da pedra essas águas revoltas que te assolam?
Ó arte da pedra o que me explicas além da beleza?
O que fazes alem de ser o que vejo rabiscado na pedra?
Um índio
Quando criança antes de aprender a ler lia imagens
Folheava livros, revistas, gibis e coisas da imaginação
Gostava de ver como viviam os indígenas nas florestas
Então teve uma lança que ganhou de outro índio do outro lado da sanga
Passou de guerreiro à guerreiro esta lança de madeira
Esta lança matou muitas feras na floresta imaginada
Trouxe muita comida para a oca este índio possuidor desta lança
Nunca feriu nada fora do sonho essa lança
Nunca teve sangue essa brava lança de criança
Teve também um poderoso arco da madeira flexível do angico verde e
borracha da câmara da bicicleta do pai
Suas setas eram terríveis aos inimigos de sua tribo
Quando chegou mais próximo de acertar uma pomba pousada no galho de pau-ferro
A seta acertou o galho abaixo da pomba
A pomba olhou o caçador e voou para além da outra seta que perdeu-se no ar
A criança riu e voltou para a oca com outros pombos flechados antes de perder suas setas
Essa criança às vezes olhava para o pai e dizia querer ser índio
O pai ria um sorriso sempre aberto e feliz
E sem comentar poder ou não ser o sonho da criança uma possibilidade
Pois os sonhos de criança sempre são possíveis
E crianças têm direito de sonhar ser índio, sonhar ser digno, sonhar por ter vontade de
sonhar qualquer coisa além dos olhos da realidade
Dizia sempre o pai nessa hora de sonho ao abraçar seu curumim – Meu terno e querido
filho.
Poema para o fim do mundo
Hoje não vamos comemorar nada!
As adegas do rei estão vazias e os vinhedos ressecados pelo frio
Não há garrafas para abrir e nenhuma alegria a ser exaltada
Hoje não vamos comemorar nada!
Há muitas tolices nas vizinhanças de qualquer lugar do mundo
Há pessoas fugindo de muitos lugares, se soltam ao mar e tentam chegar em outra terra
onde gentes esperam para dizer-lhes que também não os querem!
Não há espaço! Suas sombras são demais por aqui!
Não há terra, não há comida e o amor ninguém sabe dele
Hoje não vamos comemorar nada!
Tem uns aviões não tripulados destruindo escolas e matando crianças por aí, mas ninguém
pode culpar um avião sem piloto e a bandeira não serve nessa hora
Hoje não vamos comemorar nada!
O terrível fim do mundo está aí prestes a chegar em altas ondas e talvez te cubram os
quentes átomos da guerra antes de chegar o fim do mundo
Um índio se enforcou, pois para ele e sua cultura o fim do mundo já chegou há muito tempo
e fim do mundo do vizinho é do outro lado do muro
Do outro lado é pátio alheio e não conheço o vizinho, não sei o nome dele, me parece tão
distante meu vizinho que acho até que fala outra língua e pouco sei sobre a panela vazia do
vizinho que não deve ter estômago para aguentar a hipocrisia do outro vizinho que também
não sei o nome e não o conheço, sei que passa por ali, na rua umas caras que chamamos de
vizinhos
Hoje não devemos comemorar nada!
E já que falei em muros lembrei-me dos astronautas, lá de cima se vê que tudo por aqui são
muros, a muralha da China é só o começo de um mundo que tem fronteiras para tudo
Tens passaporte? Não, não tenho, detesto burocracia e carimbadores de passaporte,
detesto muros!
Fábricas de passaportes não me levarão à lua que daqui eu vejo além muro
Mas agora vou deixar a lua lá no céu e sair da varanda de casa
Meu vizinho está chegando e preciso fechar a porta para seguir não o conhecendo, para
seguir não sabendo quem ele é, nem que língua fala meu vizinho…
Seu muro é tão alto que talvez não queira compartilhar nada meu vizinho e acho melhor
pensar que não precisarei pedir uma xícara de açúcar a ele pois imagino que o mesmo está
pensando a mesma coisa que eu e vai fechar também sua porta meu vizinho.
Hoje não devemos comemorar nada!
Por certo não devemos comemorar nada.
Cartas
Havia uma carta sobre a mesa
Uma carta que não fora enviada às mãos da espera
E a carta não veio palavras não foram nascidas há outrem
Havia uma carta sendo aberta
Palavras distantes davam-se aos olhos de um mundo que lia o mundo
que veio tintado de negro
Eram sonhos, histórias, segredos, eram mapas de amor…?
Havia uma carta na mão do carteiro
Veio da guerra e falava de amor, dizia saudades e medo
Dizia da volta, mas a volta foi carta escrita por outro
Havia uma carta guardada ao tempo, o mesmo foi breve e a carta apagou-se
Outra carta escrita ao meio guardou coisas na memória
Na gaveta de baixo da memória uma carta faz começo de nada
Uma carta atravessou o mar, vieram palavras de terra e dunas de areia
E quando aberta as dunas viraram lágrimas, a terra lembranças e o mar
distância azulada navegando palavras
Uma carta partiu para sempre e o destino não trouxe palavras de volta
A carta sem resposta é mais triste que a palavra tristeza
Uma carta voltou de repente e o mundo calou-se
Uma carta que volta são palavras que morrem
Saber que palavras voltaram é morrer em silêncio.
Poema historiográfico
O homem a carregar fardos de trigo cortados à foice, sem terra e sem trigo não era você
A mulher sufocada de prantos, faminta e sedenta, caminhando sem rumo com filhos e filhas
seguindo seu rumo não era você
O homem pensando ser homem no giro do cosmos, fazendo perguntas em meio das dúvidas
quis ser mas não foi e não era você
A mulher desenhada por pérfidas línguas, por pensar e ser ela no direito de ser foi
queimada na praça e não era você
O homem navegado à mares da morte, flutuando em suas náuseas amarrado ao porão
estava banzo e não era você
A mulher na lavoura, facão em punho, cortada do sol, das folhas da cana e da fria comida
não era você
O homem na terra adentrado, encarvoado de minas e pulmões de minérios aterrado nos
túneis do inferno não era você
A mulher querendo ser ela nasceu na cultura que isso não pode, se respeita a cultura, mas
não a mulher que não era você.
O homem aturdido da guerra, aleijado da bomba e demais cicatrizes deixadas no gene não
era você
A mulher cansada da fábrica, desolada da esteira e despida do rosto ganhou um carimbo e
não era você
O homem saído do fundo da noite com sonhos perdidos e dias dormidos no sangue das ruas
não era você
A mulher que caminha ao lado do homem, olhando pra frente com força e com fé na luta
dos dias poderá ser vocês.
Uma mulher
DAS HISTÓRIAS QUE VIERAM LÁ DO PASSO.
Ali onde o Rio Itacurubi corre manso e baixo
Onde a Ilha deu nome ao Passo
Margeada de árvores há uma cruz
Uma mulher morrera ali onde estão as pedras
Vinha ferida a mulher
Machucada das violências caiu ali antes do Passo
Sem lavar suas feridas beijou o chão antes do Passo
Talvez fosse noite como a carne do seu corpo e
caísse sem chegar antes do Passo
Talvez os frescores da relva lhe saciaram a sede ali antes do Passo
Talvez a senzala fosse longe em sua fuga até ali antes do Passo
Ou talvez o Passo assistira sua passagem sem barqueiro
Seu nome corre livre pelo campo
Os ventos e o silêncio dizem-me seu nome
As águas do rio molham sua boca ungida pela terra ali no Passo.
Poema fugaz
Ao sol queimando no horizonte Drummond carregava o mundo sobre as costas
operárias da poesia
O vi sentado à beira mar falando em mímicas
O Brasil era a Bandeira de Manuel e tremulava no alto mastro os ventos estrelados de Bilac
Vinícius casava novamente num poema com anéis e bons scotchs
Quintana ria no café do Majestic e Murilo se encontrava entre céu e mar na
poesia pintalgada de oceanos
Seguia eu nesse caminho, lendo versos visitados por condores e caiu à minha
pena Castro Álvares
Ensimesmado de tragédias com as vozes vitimadas nos porões de uma nau
entregue à sorte da barbárie
Em Manhattan vi Walt Whitman serenando as dores dos soldados na Guerra de Secessão
Suas feridas tinham a cor da pátria
Na Espanha encontrei Garcia Lorca sangrando em sua morte
Seu corpo carregava a pólvora traiçoeira de Franco e seus olhos ciganos floresciam
na noite como estrelas que surgem nascendo no cosmos
Nos gelos da Rússia avistei Maiakóvisk em seu último soluço
Depois de tanto verso iluminando o camponês apontava com uma foice os trilhos
da Sibéria destinando aos Kulaks e Nepmans as fábricas vermelhas
E não pode amanhecer mais uma aurora
Na Ilha Negra guardada pelo Chile Neruda apanhava com as mãos enconchadas
no Pacífico as espumas de Allende
Lavando o rosto nas imagens dos dias via um general traindo seu povo e um
sonho de mundo desfeito de novo
Vi Ferreira Gullar vomitando o Poema Sujo
Despatriado pelas fardas do Brasil preso em torturas
Estive com Martí em seu degredo
Quebrando pedras e folheando pergaminhos, lutando o vi fazendo fogo e caindo
aos tiros espanhóis Cuba ergueu-se livre
E vi Florbela desenhando flores num jardim de mais amores
Seu sorriso era rosa orvalhada de magias e tristezas encantadas
Estive com Dante, Virgílio, Homero, Lucano, Horácio e Ovídio
Caminhamos nas veredas do inferno, eu era o sétimo
Pusemos fogo no limbo e queimamos os demônios que saíam das águas do rio Aqueronte
Vi o poeta da cidade de Baalbeck atravessando os séculos a recitar entre nevoeiros
e palácios
Em suas mãos flutuava uma lira enterrada na alma
Percorri as eróticas curvas dos poemas de Hilda e me vi enfumaçado numa noite de amor
Ela sorria com a boca da noite, úmida e ardente
Na França vi Rimbaud sumindo ao mundo
Das estradas arrancava solidões e desertos, gentes e ouro, armas e sangue
Fulminado em luxúria deitou-se na liteira da noite africana velejado de bêbadas estrelas
Vi as dores de Lila caminhando no mundo e tive insônia ao saber estar só
Antes da aurora vi Jaime Braun, cavalo encilhado, dando rédeas no pampa
Seus olhos entristeciam-se ao ver cercados na antiga terra de Sepé
Cada gole do amargo chimarrão reluzia em sua fronte e antigas vozes eriçadas
com lanças saíam dos olhos como a fúria do mar tempestuoso
Nos galpões seus versos saem das bocas gaudérias e juntam-se ao picumã que
escreve a memória ensanguentada da América
Vi Lamarca arrancando os símbolos da farda
Escrevendo sonetos de amor à pátria expatriada
Lutando a buscar liberdade, rugindo no silvo dos ares como um eco que vai
Exasperado de ácido cambaleava Allen Guinsberg num uivo sem fim
E os ecos da voz soaram jazz beat num caminho de hipsters
Vi Cruz e Souza angariando imagens em meio à neblina
As luzes vinham de cores vivazes e desterrados nasciam perdidos na pátria
Nas matas pantaneiras encontrei Manoel de Barros
Sua voz de pássaro voou para mim, fomos ao cerne do sol colher entranhas nascidas
nas folhas das auroras e achamos Thiago de Mello mimetizado numa árvore de luz
Em Paraíba, no engenho da dor, vi balbuciando sob o sol a voz de Augusto
Em meio ao canavial anjos ventavam à sombra seu desespero
Num navio atracado no porto em Lisboa escrevia Pessoa
Nem se importava com a demora de zarparem
Ele já havia voltado do mundo e escrevia sobre o nada
Juntei-me a Safo no rochedo de Lêucade
À margem de nossas loucuras jogamo-nos ao céu do mar em fúria como lavas
Desde então somos pedras, augustas pedras gregas
Aqui não houveram nomes
Apenas pessoas de boa vontade.
Poema do tempo
O tempo nasceu quando?
Perguntou a menininha ao seu vovô
Um senhor de bastante idade chamado Domundo
O velhinho retirou os óculos sem pressa
E sorrindo disse à neta
O tempo nasceu longe
Muito antes de o vovô nascer
Até parte da memória ele perdeu
Foram colocando nomes nele vovô?
Muitos nomes pequena
Alguns o chamam calendário
Outros estações…
Sabe vovô isso parece muito longe mesmo
Se pudesse perguntaria também àquele pássaro ali
Qual pássaro pequena?
Aquele ali que vai passando muito longe vovô.
Helena
Aquele gole em seus olhos
Era vinho?
Era mar?
Era bela imensidão?
Era a Grécia navegando delírios de Agamenon?
Ou talvez em parte apenas a raiva de Menelau
O mar cresceu de navios, era a Grécia navegando
Esparta em fúria no Mar!
Quem sabe Páris soubesse que ninguém a tocaria?
Quem sabe Heitor não morresse de frente aos olhos do pai?
Talvez cavalo não fosse bom presente para deuses
Nem muralhas fossem céu
Quem sabe Aquiles perdoasse o sangue na sua espada e Príamo não chorasse?
Mas Aquiles não perdoa e Tróia cai
Era Tróia uma cidade erguida à beira do Egeu
Tão queimada, tão ruína, tão saqueada de seus nadas, ali à beira do Egeu.
Passo da Ilha
Nessas margens onde o rio tem águas rasas
Pedras negras marulham a calma
Na memória dessas pedras vozes d’águas
Carretas varando rangidos
Gaúchos de outroras…
Nessas margens onde o rio guarda fantasmas
As águas vão cantando a canção das pedras negras
São patas de cavalos
Combates
Lançassos
São gritos de tauras
Trincheiras te margearam em outro tempo…
Quanta espreita?
Que tocaias velho Passo?
Quais gaudérios lastimados caíram em tuas águas?
E quanto cavalo bueno varou tuas águas crescidas?
Quanta tropa marcou fundo o caminho da picada e bebeu da tua água?
Tudo passa velho Passo!
Bem sabes tu de tuas águas
Quem varou-te?
Quem bebeu-te?
Quem passou-te uma só vez?
Vão-se as areias…
Folhas podres revolvidas por quem passa
Vão descendo e se acalmando nos segredos de tuas águas
Bem lá embaixo silenciam pedras negras, águas rasas.
Aeeee meu bruxo!!!!
Curti p/ caramba teu blog, conheço mt bem a tua força de vontade e suparação, e sei q ainda vai mt longe. Parabéns… e q Deus t guie …
Grande abraço…
Caro Fabio.
Muito grato irmão.
Abraço grande.
GRANDE BAGA!!!!
É ISSO AÍ, ADOREI FICOU MUITO LEGAL MESMO, PARABÉNS, SUCESSO , QUE OXALÁ ILUMINE SEMPRE O TEU CAMINHAR, SEJA NOITE OU SEJA DIA!!!!! ABRAÇÃO
Caro Dirceu. Muito me alegra saber que esteve lendo meus versos.
Abraços amigo.
Que os teus versos extrapolem o tempo e te levem ao lugar que bem mereces: o reconhecimento do tempo e da crítica. Parabéns, Poeta da Garrafa! Versos incríveis os seus! Sucesso!
Caro primo Patrick.
Grato pelas palavras.
Abraço forte!
Mano velho! sou tua fã incondicional! SUCESSO!!!
Tuas palavras me encantam e me fazem alegria. Abraços mana Carla.
Conheci seu trabalho através da tua irmã ! Pessoa extraordinária que pude conhecer através de outra pessoa extraordinária. Belíssimo trabalho estou encantada…
Me alegra saber Marleide.
Grato pela mensagem.
Parabéns cara, seus poemas são muito bons, especialmente o primeiro da história que achei muito bem elaborado. Continua assim!…
Olá Matheus!
Gratidão pelas palavras.
Talento e sentido universal. Passado presente. Obrigado por partilhar. Tríplice Abraço. Rui
Gratidão pelas palavras Rui.
Fraternal abraço!
Welcome back Thank you so much for remembering my blog and Me
Ciao! 🌲🌲🌲💚
Hello Shezarade!
I spent a long time without sticking to the blog. I am now taking time to post, comment and reply comments again.
Nice to see you”.
Fraternal hug!
I’m so glad I met this blog and especially you on my way. I am happy to read you. have a good day and thanks.
Grateful for the kindness of the words.
I wish all your days are happy.